Ao longo de mais de três décadas – quase quatro – intelectuais, padres, marqueteiros e jornalistas convenceram Lula de que ele era maior que o PT. Foram cevando aquele líder sindical barbudo e mau humorado, como na história do elefante criado dentro de um apartamento a crescer e a tomar todos os espaços.
Ele chegou ali filhote, o apartamento era grande. Foi crescendo, crescendo, se expandindo e no fim se transformou num paquiderme rodeado de escombros, maior do que tudo, mas que não tinha como sair daquele apartamento, a não ser que demolissem o prédio. Ou, numa solução drástica, o matassem e cortassem em pedacinhos.
Uma parte dos que ajudaram a alimentar e cevar o elefante estão dispostos a disputar seus eventuais pedacinhos como se fossem souvenires. Mais ou menos como aconteceu no finado Muro de Berlin. Outros desejam abandoná-lo pela inviabilidade paquidérmica, a voracidade do apetite, o volume dos excrementos e o fedor.
Entre os colecionadores de souvenires, cada um tem seu candidato, seja ele líder dos sem teto, ex-líder estudantil, ex-poodle dos empresários cearenses transformado em pitbull ou ex-atual qualquer coisa. Não importa. Todos querem a mesma coisa: sobreviver. Mas quem terá coragem de apertar o botão de eject e tirar Lula do comando, preservando da demolição o que resta do PT e de boa parte da esquerda? Isso não parece ser tarefa de um homem só.
Exatamente como o exemplo de instinto de sobrevivência dado pelo Congresso Nacional Africano (CNA), partido que lidera a África do Sul, país pobre, violento e multirracial como o Brasil, ao decidir ejetar da presidência Jacob Zuma. Mais sujo que elefante em lamaçal, Zuma tem uma ficha corrida com 18 delitos, entre eles fraude, corrupção e lavagem de dinheiro.
Em nome do pragmatismo político e da perspectiva de continuar mandando no jogo, seus companheiros o obrigaram a renunciar e dar lugar ao vice Cyrill Ramaphosa. Ou seja: decretaram que ninguém é maior que o CNA e ensinaram que na África elefantes não são criados em apartamentos.
Os sul-africanos se livraram de Zuma com algo que durante muito tempo foi a marca de políticos como o próprio Lula e está em falta no Brasil da Lava Jato: coragem e astúcia.
Outro dia, dois velhos companheiros do PT mineiro proseavam ao telefone, fingindo não saber aquilo que se sabe: “Uai, ocê podia ser candidato no lugar dele”. “Ieu, uai? Tão gravando este trem, não, né? Deus me livre, sô”.
Como ensinou Fernando Sabino, mineiro não laça boi com embira. Eduardo Suplicy, paulista e aristocrata, foi o único a exibir ousadia e um belo dia defendeu prévias e disse que queria disputar a presidência pelo PT. Tomou uma atropelada do líder.
Hoje, com 76 anos e um belo patrimônio eleitoral, não parece mais querer perder seu tempo com isso. O doutor José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça, fala em refundação do partido no conforto da distância regulamentar de quem está dando aulas na quase milenar universidade espanhola de Salamanca, onde o vinho e o presunto são de primeiríssima.
Mas ninguém parece ter coragem de tentar uma conversa, um acordo, pela sobrevivência coletiva. Enquanto isso, as paredes do apartamento continuam rachando, o elefante cagando e o PT e o sonho vão escorrendo pelo ralo da desmoralização.