Duas circunstâncias distintas concorrem para livrar o ex-presidente Lula da prisão. Uma delas passa pelo juiz Dias Toffoli. Outra, pelos inúmeros suspeitos graúdos de rapinarem o erário.
Diante da probabilidade de, em março, o STF (Supremo Tribunal Federal) debruçar-se mais uma vez sobre a prisão para condenados em 2ª instância, volta a ser cogitada a tese toffolista engendrada em 2016 (antes da condenação de Lula). O estratagema pode ser visto como um misto de orquestração jurídica e política.
Por ele, o STF aboliria decisão anterior, de 2016, tomada por 6 a 5, de permitir o encarceramento de réu condenado em colegiado de 2ª instância. Mas, ao mesmo tempo, evitaria voltar ao infindável sistema anterior, equivalente mais das vezes à impunidade, onde somente a sentença final lavrada pelo STF (4ª e última instância) teria o condão de trancafiar meliantes do erário – viventes comuns, que não fazem parte da elite, penam no xilindró já na 1ª instância.
A alternativa apontada por Toffoli, criado nas hostes petistas e alçado à sufeta da Suprema Corte por Lula presidente, é a 3ª instância. Por esta proposta intermediária, somente após condenado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) o réu poderia ser levado às masmorras de Martins Cardozo.
A justificativa, de acordo com a jornalista Carolina Brígido, d’O Globo, seria “uniformizar o entendimento” das instâncias inferiores. Por este viés interpretativo, isto evitaria que cada tribunal de 2ª instância lavrasse entendimento diferente para casos semelhantes.
Já o estratagema político passa pela pacificação dos 11 egos que compõem a Corte Máxima do Judiciário brasiliano. Como alguns defendem manter a decisão atual (prisão em 2ª instância) e outros persistem na jurisprudência anterior a 2016 (4ª instância), o meio-termo poderia apaziguar a maioria. Poderia.
Todos por um
Na esfera política propriamente dita o que pode beneficiar Lula, o líder de incomparável resiliência, é o interesse comum de outros políticos suspeitos de rapinarem o erário. Neste jogo entram integrantes do PSDB, do PMDB, do PP, do PT, etc., etc.
Se, aparentemente, a 8ª turma do TRF-4, de Porto Alegre, composta por três sufetas com pinta de mosqueteiros, mostra-se imune a influências políticas, o mesmo não acontece com o STF. Corte de justiça, sim, mas fortemente permeada pela política.
Como ensinou a juíza aposentada Eliana Calmon, ex-STJ, ninguém chega às instâncias superiores da magistratura sem lobby. “A nomeação é um processo eminentemente político“, desvelou a magistrada.
“Como se vê, a alternativa
congrega interesse multilateral.
Além disso, Lula permaneceria inelegível, (…).”
A prisão de Lula, a prevalecer a interpretação de que grupos de juízes anônimos País adentro poderão decretar a detenção de maganos hoje protegidos pela lentidão eterna do Supremo, conhecida como foro privilegiado, é aterradora. Se podem prender Lula, inconteste líder de massas da história brasileira, por que não políticos menos lustrados?
Assim, nessa esteira salvacionista horda extensa de meliantes do erário seria contemplada. De quebra, Lula seria o principal responsabilizado como alvo da “armação”, que é como a opinião pública interpretará mais um ato dessa tragédia tupiniquim.
Deixar a decisão da prisão para o STJ renderá tempo precioso para novas artimanhas jurídicas e políticas a suspeitos de ladroagem denunciados pela Lava-Jato. Como se vê, a alternativa congrega interesse multilateral. Além disso, Lula permaneceria inelegível, reduzindo sua influência eleitoral.
O que pode dar errado? Muita coisa. Entre outras, a reação popular, pois ficará translúcido o alvo do beneplácito supremo. Sem contar, a reação da mídia.
Enfim, nada que envolve Lula tem desfecho simples. Mesmo não sendo o líder de outrora, seus movimentos equivalem aos vagalhões que se seguem a terremotos. Atingem a todos.