Escrito por: Paulo Solmucci*
A grande maioria dos donos de estabelecimentos da alimentação fora do lar, setor que reúne cerca de um milhão de negócios em todo o país, torce para que não sejam alterados os rumos da atual política econômica brasileira. Mais de 60% destes empreendedores estão na condição de absoluta informalidade, sequer incluídos no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, o CNPJ.
Sem a formalização do empreendedorismo de pequena escala em cada cantinho das nossas cidades, que hoje aglutinam 85% da população do Brasil, não se estrutura uma Nação em bases saudáveis. O que até agora predominou entre os nossos concidadãos foi, infelizmente, a ideia de que o setor público é o motor do desenvolvimento. Não é.
Essa crença levou o Estado a consumir, dentro da sua própria máquina, 21% da renda nacional, carregando ainda um déficit correspondente a 3% do Produto Interno Bruto (PIB). Portanto, torra 24% de tudo o que o Brasil produz. É um custo altíssimo, em relação a qualquer país, mesmo os mais avançados, observou o economista André Lara Resende.
Os serviços públicos da segurança, saúde e educação são de péssima qualidade. A infraestrutura das rodovias está em pandarecos. Metade dos domicílios brasileiros não conta com coleta de esgoto. A criminalidade se alastrou, deixando o país em uma situação de crise humanitária, com a banalização do assassinato de policiais, e a morte diária, por balas perdidas, de pessoas de todas as idades, entre elas crianças e adolescentes.
Eis a questão: não sairemos desta dramática situação enquanto não fizermos girar a roda da produção, do emprego, da qualidade de vida. A restauração da dignidade na política começa pela correção de um pensamento torto, que nos desorientou durante mais de cinco séculos: a de que basta ao Estado se servir a si próprio, isto é, servir a uma elite do funcionalismo público, situada no topo da pirâmide das três esferas de governo, que consome o grosso da renda e mantém travada, com o seu ócio destrutivo, a roda do desenvolvimento.
Enquanto há milhões no bem-bom de salários altíssimos, com aposentadorias precoces, nas quais se preservam os ganhos da ativa, e até, em alguns casos, benefícios vitalícios a viúvas e filhas solteiras, a base do funcionalismo sofre com a penúria cotidiana. Nesta condição, padecem os policiais, os profissionais da linha de frente da saúde, os fiscais das florestas, das estradas e das fronteiras, os agentes penitenciários, e até mesmo os professores, que heroicamente exercem o seu magnânimo ofício em escolas maltratadas, vulneráveis a infratores de elevada periculosidade.
Dizem: mas, a máquina governamental é corrupta. Sem dúvida. O fato é que não há, entre três dezenas de agremiações, sequer um partido isento de envolvimento com práticas de caixa dois, nepotismo ou compra de voto, seja pela distribuição de favores de pequena escala às populações mais desvalidas ou de farta distribuição de dinheiro a influentes cabos eleitorais. Excetuam-se, unicamente, os partidos recentemente fundados, cuja precocidade lhes conferiu certo grau de virgindade.
É uma obra hercúlea a refundação institucional do país, com vistas a se fazer da democracia brasileira o regime do poder visível, dando-se total transparência aos atos públicos e a máxima participação da sociedade nas decisões nacionais. Uma obra que começa pelo redesenho do Estado, ajustando-o aos padrões das democracias mais desenvolvidas no mundo, dos pontos de vista econômico e social. É isso que, aos trancos e barrancos – uma vez que assumiu a presidência da República em meio ao emaranhado de uma profunda e larga crise econômica e política -, Michel Temer começou a fazer de maneira surpreendente e admirável. Ele vem, como se diz em Minas, carregando água na peneira.
Os empresários formais e informais do setor de alimentação fora do lar reconhecem esse feito extraordinário, que ficará marcado na história brasileira como um positivo ponto de inflexão. Nos 16 meses de um governo que se movimentou em meio a um tiroteio cruzado de acusações contra membros da sua equipe, e contra ele mesmo, o presidente Temer conseguiu aprovar no Congresso a reforma trabalhista, sem dúvida uma conquista antes inimaginável para os empreendedores do setor de bares e restaurantes.
Paralelamente, a Câmara dos Deputados e o Senado também aprovaram – e o presidente sancionou – a lei que regulamenta a gorjeta. Podem achar que isso é um fato secundário. Ora, quem conhece minimamente o setor está ciente que a anarquia das gorjetas redundou em miríade de processos trabalhistas contra bares e restaurantes. Foi uma caudalosa e contínua fonte de insegurança jurídica, que quebrou um extenso rol de estabelecimentos, e levou à ruína, pelo Brasil afora, famílias e mais famílias.
E mais. No último 27 de dezembro, o presidente encaminhou ao ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, que deixou o cargo naquele mesmo dia, a determinação de assinar uma portaria acabando com o desconto (deságio) concedido pelas operadoras de vales refeição e alimentação às grandes empresas privadas e públicas, bem como a órgãos das esferas federal, estadual e municipal. Esses abatimentos constituíam-se em um estratagema para as operadoras vencerem as concorrências e licitações.
No final das contas, as supostas benesses eram arcadas pelos mais diversos estabelecimentos da vida cotidiana, como supermercados, mercearias, empórios, quitandas, restaurantes de autosserviço e de comida a quilo, que eram obrigados a pagar taxas maiores às companhias operadoras dos vales. O montante dos descontos e da posterior transferência do ônus para o varejo dos alimentos superava R$ 2 bilhões anuais.
No fundo, no fundo, quem vinha pagando esta conta bilionária era o povo, o consumidor final. Logo ele, que deveria ser o beneficiário do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), criado para lhe assegurar refeições diárias, melhorando-se suas condições nutricionais e de qualidade de vida. O presidente Temer corrigiu uma injustiça social que se arrastava há dez anos. É disso que o Brasil precisa. Nesta direção, há ainda muito a se fazer.
Por isso mesmo, a condução da atual política econômica tem de continuar. Seja com o candidato do presidente Temer, ou com outro candidato, desde que se comprometa com uma plataforma econômica semelhante à do candidato dele. Como dizia o líder chinês Deng Xiaoping, ”não importa a cor do gato; importa que ele cace os ratos”. Temos de desarticular o subdesenvolvimento, que, segundo Nelson Rodrigues, “não se improvisa”, porque “é obra de séculos”.
*Paulo Solmucci é colaborador do site Os Divergentes. Também é presidente da União Nacional das Entidades de Comércio e Serviços (Unecs) e da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel)