Na geleia geral dos 513 deputados distribuídos, em boa parte, em partidos de mentirinha, nada é sólido e tudo, a qualquer momento, pode se dissolver no ar. Nesse cenário, compor e manter maiorias na Câmara, além de caro, é sempre instável.
Como em qualquer feira, no mercado parlamentar vale também a oferta e a procura, seja por demanda ou especulação, os preços variam de acordo com a necessidade de quem está disposto a comprar. A diferença ali é que, de um jeito ou de outro, quem sempre acaba pagando a conta é o contribuinte.
Quando está em jogo o mandato do próprio presidente da República, os palacianos sabem que a conta será mais salgada. Foi, assim, por exemplo, no impeachment de Dilma Rousseff, em que ambos os lados disputaram votos decisivos em um escancarado leilão. Na batida do martelo, quem pôs as fichas em Michel Temer ganhou a parada.
O mercado está de novo em ebulição. Barrar a primeira denúncia contra Michel Temer já foi muito caro. Tanto é que, segundo quem negociou com o Palácio do Planalto, nem tudo o que foi combinado — verbas, cargos, favores em geral — foi entregue. Isso gera uma nova cobrança.
O time de Temer já entrou no jogo para barrar a segunda denúncia consciente da necessidade de resolver as pendências com quem ajudou a salvar o pescoço presidencial na primeira batalha. Débitos vencidos e créditos novos entraram nessa contabilidade.
No meio desse acerto de contas, surgiram fatos novos. Para quem opera no balcão parlamentar, o mais relevante foi Rodrigo Maia e Michel Temer entrarem em conflito aberto. A turma do Centrão e outros grupos viram nisso uma oportunidade. O preço da fidelidade a Temer inflacionou.
Tudo indica que nessa segunda-feira (16) quem for cotar o mercado vai constatar que os votos ficaram mais caros. Quem está no jogo para faturar sentiu que pode cobrar mais desde a divulgação pela Folha de São Paulo dos vídeos da delação de Lúcio Funaro, operador de Eduardo Cunha e da turma conhecida como o PMDB da Câmara, uma organização criminosa autônoma de acordo com a denúncia de Rodrigo Janot.
No meio dessa encrenca, Eduardo Pizarro Canelós, novo advogado de Michel Temer, viu a bola quicando, e não teve sequer o cuidado de ver para que lado ela estava indo, chutou em gol. Foi um belo gol contra, tão bonito como o do lateral Pará, do Flamengo, a favor do Fluminense.
Na mesma toada que os defensores dos poderosos de todos naipes adotaram para confrontar a Lava Jato e outras investigações sobre corrupção, Carnelós bateu sem dó. Disse que a divulgação dos vídeos foi um “vazamento criminoso”.
Com menos cuidado que alguns colegas, sentenciou: “O vazamento de vídeos de Funaro constitui mais um abjeto golpe no Estado Democrático de Direito”.
Mesmo que o gabinete do ministro Edson Fachin informe que os sigilos não estavam abertos, não foi um vazamento. Os vídeos estavam disponíveis no site da Câmara, para serem acessados pelos deputados e por todos que lá entrassem. Portanto, uma porta oficial.
Michel Temer, Moreira Franco e Eliseu Padilha, os acusados, perceberam que Carnelós, ao chutar o pau da barraca, deu um passo maior que a própria perna. Acusou, na verdade, nada menos que o próprio Rodrigo Maia de ter autorizado uma prática criminosa.
Assim, o que estava ruim ficou pior.
Nesse domingo, Carnelós até ensaiou um recuo: “Jamais pretendi imputar ao presidente da Câmara prática de ilegalidades, muito menos de crime”. Disse isso, entre outras baboseiras, como censurar o papel da imprensa de divulgar o que é público.
O fato é que não colou. Rodrigo Maia não engoliu. Deu um cascudo no advogado e mandou um recado para Temer, que pode ser traduzido no verso “você pagou com traição/ a quem sempre lhe deu a mão”, do samba consagrado por Beth Carvalho.
O que essa mágoa de Rodrigo Maia pode aprontar, se é que vai aprontar, não se sabe.
Mas Temer que se prepare. Suas ações estão em baixa. E o preço do apoio de cada deputado ficou bem mais caro.
A conferir.