de Monica Gugliano
Em Brasília, entre os rituais que os repórteres de política cumpriam na cobertura diária havia um que mandava fazer uma visita ao gabinete dos líderes dos principais partidos na Câmara dos Deputados todas as manhãs. Mal comparando, hoje acho que agíamos como médicos que visitam seus doentes bem cedinho nos hospitais. Precisávamos saber como o “paciente/deputado” tinha passado a noite, por quais jantares ou reuniões andara, com quem conversara. E, mais importante, necessitávamos saber o que nos aguardava naquele dia.
Tenho lembrado muito desses tempos, na década de 90, desde que a Polícia Federal encontrou R$ 51 milhões em um apartamento em Salvador que, tudo indica, seriam do ex-ministro Geddel Vieira Lima. Então deputado federal, líder do PMDB, Geddel sempre foi solícito com os jornalistas. Nessas conversas coletivas, passava poucas informações relevantes. Mas era bom contar com sua simpatia. Não só porque ele sabia tudo que acontecia no PMDB, mas também porque privava da intimidade do presidente da Câmara, Luiz Eduardo Magalhães (PFL-BA) com quem dividia noitadas e articulações que decidiam tudo que por ali acontecia e que ele – caso fosse do seu interesse – não se negava a contar a plateias restritas.
Muito perfumado e alinhado, Geddel sempre abria a porta do gabinete com um muxoxo exaltado, se queixando de tudo e de todos. Acho que ele alegrava as manhãs com seus impropérios, suas queixas e os gritos que dava às secretárias ou a quem estivesse por perto. De todos os palavrões que dizia, meu favorito era um que usava para reclamar que trabalhava muito, enquanto os demais não faziam nada:
– Estão vendo, não?? Já estou aqui trabalhando, resolvendo pepino (sic) de um e de outro. E eles?? Eles fazem o que, enquanto eu fico aqui ralando a “bunda” nas ostras??? Fazem o que???? Só eu trabalho aqui – gritava, indignado, com as bochechas bem vermelhas.
Ele não usava a palavra “bunda”. Mas prefiro não repetir textualmente o termo que ele dizia. De qualquer maneira, a frase sempre me provocava arrepios. Eu saía da sala e ficava imaginando àquela terrível ardência do arranhão em contato com a água salgada. Mas, ao mesmo tempo, de tão inusitada, a expressão acabava sendo engraçada.
Tão logo vi a imagem de todo aquela dinheirama abarrotada em malas e caixas no apartamento em Salvador, senti novamente o arrepio daqueles tempos no gabinete de Geddel. A ardência do arranhão em contato com a água salgada. Mas, também como naqueles tempos, comecei a rir e lembrei da pergunta que ele fazia:
– E eles??? Eles fazem o que, enquanto eu fico aqui ralando a bunda nas ostras???
Hoje, se eu pudesse responderia:
– O que eles fazem também não sei. Mas tampouco consigo saber o que você, líder Geddel, faz para arrumar tanto dinheiro. Haja bunda para ralar nas ostras.