Um dia você acorda e segue a rotina, até que a tranquilidade do seu lar é abalada. Quem dera se fosse só um pesadelo, no qual acorda e sente o alívio daquela angústia não ser real, mas, nesse caso, é pura realidade. “Refugiado” não é um tema fácil de ser abordado e compreendido. Vou tentar da melhor maneira possível contar a história de Mamie Bazonga, vinda da República Democrática do Congo, localizado no coração da África.
Segundo o Ministério da Justiça, há 10,4 mil estrangeiros com status de refugiados no Brasil. Infelizmente, Mamie Bozonga faz parte dessa estatística.
Teve que abandonar sua casa, amigos, familiares, tudo o que tinha, sem olhar para trás. Conversamos pelo Messenger do Facebook. A primeira frase dela foi explicar de onde veio.
“Cheguei no Brasil agora faz dois anos. Tem dois Congos: o meu é a República Democrática do Congo (diferente da República do Congo). É maior, muito rico, mas o povo é pobre, pois o governo e política são ruins”, declarou.
A fuga do Congo ocorreu após denúncias que seu marido, Papy Mbuku, fez na ONG de Direitos Humanos em que trabalhava. Ele capturava imagens e vídeos e mandava os arquivos para a Organização das Nações Unidas (ONU). A violência da polícia congolesa contra jovens era um dos temas tratados.
As denúncias geraram perseguições.
Pappy viu sua esposa e filha indo embora na frente. Elas conseguiram os documentos e vieram ao Brasil 10 dias antes dele.
“Não escolhemos vir para o Brasil”, diz Mamie. “As portas estavam abertas para dar visto aqui no Brasil.”
Mamie morava fora da capital, em uma cidadezinha pequena. Através de uma campanha, chamada “Estou Refugiado”, feita pela agência Plano Digital, ela e outros refugiados têm recebido apoio, mas não o suficiente para sanar as necessidades.
Mamie tem um bebê chamada Estrella, que tem um ano e dois meses, além da filha Priscilla, de seis anos. Ela é cinegrafista, mas também oferece aula de francês.
Perguntei como foi a sensação da ida. Seu incômodo e dor parecem que passaram para mim (um pouco) em forma de agonia.
Entendi que não tinha como explicar o que ela sentiu, muito menos descrever. O que ficou claro foi a força que ela e sua família têm para se estabelecer e refazer uma vida do zero, longe de todos que lá deixaram.
Seu marido trabalhava na ONG fazendo o que? Era jornalista?
Mamie: Meu marido trabalhava numa ONG de Direitos Humanos. Seu trabalho era fazer as pessoas se sensibilizarem e informar os direitos aos cidadãos. Também denunciava os malfeitos que aconteciam lá e defendendo quem não conseguia falar.
O que estava acontecendo com vocês no Congo?
Mamie: Uma situação passava no meu país, na capital. Lá usavam reeducação para acabar com a violência. A Polícia matou muitas pessoas inocentes também. Foi muito ruim. Essa situação que vou contar durou uma semana. A ONG trabalhava muito duro para denunciar erros policiais e problemas no governo… Meu marido virou um dos alvos deles. Depois a ONG ficou com problema com o governo e polícia. Meu marido foi muito marcado, perseguido, pois era muito ativista. Não perseguiram só ele, mas a mim e a minha filha Priscilla também (de 3 anos, na época).
Como vocês fizeram pra conseguir fugir? Sair do Congo?
Mamie: A ONG nos ajudou a sair do país, a conseguir os documentos. Morávamos no campo, foi difícil. Tivemos que ir pra Capital.
Quais perigos vocês passaram? O que fizeram contra vocês?
Mamie: Direitos Humanos no meu país são sempre perigosos. O povo perde a vida. As pessoas são ameaçadas.
Quais ameaças vocês sofreram?
Mamie: Um dia foram atrás da gente, na nossa casa. Meu marido estava fora e eu estava na minha sogra. Quebraram janela e porta, mas a casa estava vazia. Por sorte, muitas vezes que a polícia veio atrás da gente meu marido não estava. É complicado, usam qualquer um para acabar com quem querem.
Por que ele foi um alvo?
Mamie: Meu marido era um alvo por ser ativista. É complicado quando você se torna alvo do governo. Eles podem usar qualquer caminho pra fazer maldade contra você. Foi muito difícil, onde você vai que não conhece a língua é diferente.
Como foi o último dia no Congo?
Mamie: Quando saímos do Congo, minha filha estava doente, tinha hérnia inguinal. Eu estava chorando sem parar quando partiu o ônibus rumo a Capital, onde pegaríamos o avião.
Observação final: não consigo imaginar e nem sentir a dor que sentiram. Não sei como é vivenciar isso. Mas, também não foi fácil fazer esse texto, a emoção diversas vezes me possuiu. Meus olhos embaçaram tentando escrever, até um lencinho de papel peguei, difícil não deixar umas lágrimas escapar. Se não foi fácil para mim, que só estou relatando e contando, imagina para eles e os outros 8,8 mil refugiados que estão na mesma situação.
* Bruna Pannunzio também escreve no Independente. É jornalista formada pela PUC-SP e colabora para Os Divergentes.