Não é possível discutir a reforma da previdência sem que anseios pessoais e paixão política se exacerbem. Embora inescapáveis, estas vicissitudes devem estar subordinadas aos números.
Enquadrados os algarismos, então, discuta-se como encarar a reforma a partir de um patamar técnico. Fabio Giambiagi é economista dedicado ao estudo de questões previdenciárias, portanto deve ser ouvido.
À Folha de S. Paulo deste domingo, 19, ele concedeu entrevista onde esgrime dados a mancheias e, claro, seu crivo político pessoal. Há um aspecto alvissareiro no seu enfoque: é possível ceder.
Ele admite negociar a pensão das viúvas, a contabilidade do filho menor nas pensões por morte, a idade mínima para a Loas, a vinculação do salário mínimo ao BPC e a idade mínima para o benefício integral. Giambiagi parte do princípio de que a reforma terá que continuar com o próximo governo, e alguns pontos podem ficar para depois.
Para cada uma dessas flexibilizações, o economista apresenta uma justificação técnica. Este é o debate que está faltando.
A sinistra, PT à frente, dificilmente fugirá do script que sempre adotou. Tudo que partir de governos constituídos receberá o carimbo de nefasto e merecerá renhido ataque – nos plenários e nas ruas.
O maior entrave são os aliados. Embora reconheçam o óbvio – a previdência se transformou num problema fiscal incontornável -, resistem em vergar a indumentária de verdugos. Noves fora, a barganha inconfessável.
E é aqui que as ponderações de Giambiagi representam alento ao debate. Ele reconhece os pontos que dizem respeito ao lado mais fraco. Vital para a reforma é deixar claro que não há termo de comparação entre servidores que se aposentam precocemente com R$ 33 mil e viúvas campesinas que não largarão o rastelo até o fim de seus dias.
A entrevista de Giambiagi se fragiliza, porém, quando aloca o humor do mercado financeiro como balizador para as decisões parlamentares. Especuladores devem também ser ouvidos, mas não como porta-vozes do apocalipse.
O economista se vale ainda de argumento utilizado à larga por quem defende incondicionalmente a reforma, qual seja o prejuízo que programas como o Bolsa Família ou setores como o da saúde terão caso a reforma não seja aprovada. Por este raciocínio, pensões exíguas devem ser contabilizadas apenas pela previdência.
Um benefício de um salário mínimo, embora tecnicamente deva ser enquadrado como previdenciário, na prática é distribuição de renda. Suprimi-lo ou podá-lo é destapar um santo para cobrir outro. Afinal, salário mínimo para sustentar uma família de quatro pessoas – realidade recorrente em muitos rincões patrícios – não pode ser encarado simplesmente como pensão.
Esta é uma visão tecnicista, que não leva em conta a realidade. Com que recursos um cidadão vai cuidar de sua saúde se lhe é negada uma renda mínima? De que adianta construir posto de saúde se o cidadão não tem renda para se alimentar e comprar remédios?
Enfim, os lados que têm disposição para negociar devem, primeiro, encarar os números. Depois, buscar a conciliação em pontos convergentes. O debate civilizado, difícil em tempos de extremismos, é o melhor conselheiro.