Quem conhecesse o Congresso Nacional antes de lá chegar a reforma da previdência saberia diagnosticar que ela não sairia do jeito que entrou. Portanto, não é surpresa que a proposta seja alterada, mas sim o alto grau de dificuldade que a PEC 287 enfrenta, apesar da elástica base situacionista.
Para observar este jogo, é preciso compreender como o Parlamento funciona. De um lado, a poderosa pressão do Executivo, exercida pelo presidente Michel Temer, enfronhado como poucos nos meandros da política e hábil articulador.
Do outro, os eleitores que, quando mobilizados, conseguem se fazer ouvir e obedecer pelos eleitos. São estas duas pressões que se digladiam numa ação mútua e contrária.
Caso as mobilizações de rua desta quarta, 15, se repitam na mesma escala (ou maior) exercerão papel importante na opinião das excelências. Não importa se lideradas pelo PT e corporações que visam a preservação de suas próprias regalias. A pressão das ruas é legítima e barulhenta.
Além disso, em que pese o mito de que parlamentares trabalham pouco porque permanecem em Brasília três dias por semana, é na volta às bases que outro tipo de pressão é exercido. Em Brasília, atuam os lobbies organizados. Nas bases, são os eleitores que falam diretamente ao pé do ouvido.
Paralela à pressão das ruas, há a operação Lava-Jato. Como uma força difusa, ela perturba o ambiente congressual, sugando energia que poderia estar canalizada à votação da reforma. Entre outras perturbações, a investigação enfraquece o próprio governo e seus articuladores, pois alguns travestiram-se em meliantes do erário.
Por fim, o próprio governo contribui para o ambiente instável onde deverão se desenvolver os embates certamente ferozes a cada vez que a alteração de um direito for votada. Foi o caso do acintoso aumento para os servidores públicos.
O mesmo governo que planeja [sic] encerrar o ano com um déficit de R$ 139 bilhões, vai torrar mais R$ 25 bilhões com servidores, a casta mais abastada e, até aqui, imune à histórica desordem econômica deixada pela presidente Dilma Rousseff. A cifra bilionária é equivalente a 10% da já bilionária folha de pagamento do funcionalismo da União – R$ 283 bilhões este ano.
Por conta do aumento, informa a jornalista Adriana Fernandes, d’O Estado de S. Paulo, “o governo terá que cortar outras despesas para acomodar a alta de encargos com os servidores” e, ao mesmo tempo, cumprir a PEC do teto de gastos. Ou seja, o mesmo governo que quer rebaixar a pensão de viúvas para menos de um salário mínimo é o que aumenta regalias para quem já as têm.
É o governo trabalhando contra si mesmo, fomentando o fisiologismo que permeia a atividade parlamentar. Este, aliás, outro complicador.