Renan só perde ao misturar boas causas com represálias à Justiça

Senadores Kátia Abreu e Renan Calheiros.

Se deixasse o fígado de fora e usasse apenas a sua inteligência política, Renan Calheiros teria o que comemorar, sob aplausos da população, no seu embate com o Judiciário.

Nos estertores de seu reinado no Senado, em vez de espernear contra o justificado cerco da Justiça, se mirasse nos dois alvos mais insustentáveis do Judiciário ­– a farra salarial e a impunidade nos crimes comuns–, teria deixado um legado.

Dilma Rousseff, por exemplo, face a circunstâncias desfavoráveis, bancou a delação premiada, no modelo que ajudou a derruba-la e hoje implode o establishment político do país.

Fernando Collor sancionou a lei de que os cheques teriam de ter nominais, o que pavimentou sua queda.

Com a colaboração de Katia Abreu, Renan peitou e, no Senado, conseguiu dar um freio na farra salarial entre as elites de todos os poderes. Nesse quesito, além de outros que abusam, os juízes país afora merecem reprovação.

Renan também banca outro excelente projeto, que fica nanico pelo caráter de represália. A proposta é boa por acabar com a lorota de que juízes e procuradores corruptos são punidos por suas corporações.

A pena máxima de aposentadoria com salário integral é um escárnio.

Mesmo com corrupção comprovada, muitas vezes juízes e procuradores sequer perdem o cargo.

Juízes e procuradores que levam a profissão a sério se envergonham disso.

Causas tão boas não deveriam ser misturadas com tentativas de quem foi flagrado, de uma maneira ou de outra, em atividades suspeitas, de meras represálias.

A insistência de Renan em aprovar, a toque de caixa, a tal Lei de Abuso de Autoridade, uma tentativa de cercear o trabalho de quem investiga e julga as falcatruas com dinheiro público, é pura vingança.

É verdade que o mundo político desabou. Também é verdade que isso demorou.

O maior avanço da história política do país, em muitas décadas, é a limpeza em curso pelas investigações sobre a corrupção, que escancaram a metástese das relações entre o público e o privado.

Quem acompanha de perto o impacto das investigações, delações premiadas, e tudo o que rola nas apurações de cima a baixo no mundo político, não tem dúvida. Mesmo sabendo que já morreram, políticos buscam algum milagre na expectativa de uma ressurreição coletiva.

A questão é se haverá um grau, mesmo mínimo, de dignidade nessa morte política.

 

Deixe seu comentário