O tal arcabouço fiscal, antes mesmo de se materializar, virou sucesso no mercado financeiro e pesadelo na cúpula do PT que teme prejuízos eleitorais nas eleições municipais no ano que vem. Até agora é Lula quem banca o trabalho de Fernando Haddad e de sua equipe econômica, por mais que haja ranger de dentes nas hostes petistas aqui e acolá.
Lula reuniu a tropa e impôs um cala boca. Desde então, Gleisi Hoffmann, presidente do PT, segue em silêncio. Só quem atira contra o projeto de Haddad é Lindbergh Farias, aliado e namorado de Gleisi, mais pra marcar posição do que para reverter o apoio de Lula a Haddad.
Com todo esse cacife, dólar caindo, inflação em queda, bolsas de valores em alta, Fernando Haddad chegou à China todo prosa. Pareceu descortês, mas acertou o alvo ao reclamar de que alguns sites de venda chineses estão trapaceando nos dribles às regras fiscais brasileiras. Foi bem enquanto tratou a questão de maneira genérica como contrabando e concorrência desleal. Quando entrou nos detalhes pisou na bola:
-Vocês falam da Shein como se eu conhecesse. Eu não conheço a Shein. Único portal que conheço é a Amazon, em que eu compro um livro todo dia, pelo menos.
Para os milhares de brasileiros que tentam driblar os preços exorbitantes no país comprando mais barato na Shein e em outros sites chineses, soou como uma arrogância, puro elitismo. Já para a turma do PT que não concorda com o flerte do governo com o mercado financeiro, virou uma oportunidade para detonar Haddad e toda a equipe econômica.
Essa declaração de Fernando Haddad, além de por em segundo plano bons argumentos sobre o custo dessa concorrência desleal na economia brasileira, jogou gasolina no fogo que já tava alto depois do anúncio pelo secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, de que o Ministério da Fazenda iria acabar com a importação de encomendas no valor de até U$50. A desastrada tentativa de justificar a medida pela primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, em rede social só aumentou a confusão. De nada valeu uma nota do Ministério da Fazenda tentando consertar o estrago.
Em desabafo interno, o ministro Paulo Pimenta, da Comunicação Social, ensaiou uma bronca sem citar os destinatários: “Se cada um fala o que quer, isso causa ruído e só traz dor de cabeça. Além de ser errado, é desrespeitoso com as bancadas, que acabam sendo surpreendidas com medidas que não foram debatidas nem explicadas anteriormente”.
Nas hostes petistas, o tom é bem mais duro. O que mais criticam é que Haddad abriu o debate sobre o ajuste fiscal anunciando que bilionárias 500 empresas, que até agora mamaram no Orçamento Público, passariam a pagar impostos. Prometeu inclusive identificar cada um deles. Seria uma revelação sobre os tubarões que, às custas dos verdadeiros contribuintes, sugam os recursos do país. Gerou, assim, uma inédita expectativa sobre quem são e como vão pagar essa suposta conta.
Não o fez. Daí o tamanho da decepção quando o primeiro anúncio foi a cobrança de quem compra produtos dos sites chineses, um mega cardume de sardinhas, para os quais não importa se o imposto vai ser cobrado aqui ou lá fora, mas, sim, a ameaça a sua alternativa a preços exorbitantes cobrados no Brasil pelos mesmos produtos. Para essa multidão nas várias camadas da classe média, não cola a justificativa de que a medida é tributariamente justa.
Pegando carona na insatisfação desse imenso eleitorado, setores do PT se preparam para detonar o arcabouço fiscal e tentar reverter os prometidos cortes de gastos que tanto agradaram o mercado financeiro. Na volta da caravana que foi à China, Lula vai bater ou não o martelo sobre a proposta da equipe econômica que, além do próprio Haddad, conta com o apoio da ministra Simone Tebet e do vice-presidente Geraldo Alckmin.
A conferir.