Penso como muitos amigos ou conhecidos muito próximos, de todas as classes sociais, ricos e pobres, brancos e pretos, sulistas ou do norte, hétero e não héteros, podem louvar um ser humano tão abjeto como Bolsonaro.
Bolsonaro não poupou elogios à ditadura e a torturadores como Brilhante Ustra e desprezo pelas mulheres e minorias. “Não te estupro porque você não merece” disse para a Deputada Maria do Rosário. Na Revista Playboy afirmou que “seria incapaz de amar um filho homossexual”. Para a ONG Open Democracy chamou ativistas negros de “animais” e pediu que eles “voltassem para o zoológico”.
Nem entro no festival de absurdos do Messias para milhões . Daria um novo Febeapá (Festibal de besteiras que assola o país) de Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta). Permaneço nos pré-juízos dos mais próximos.
Tenho para mim que para esses meus amigos e colegas o ex-presidente encarna o que eles são ou pensam, mesmo e ainda que tímida ou covardemente. Quase todos negam ser racistas, homofóbicos ou misóginos. Afirmam ter amigos negros, homossexuais, serem casados e respeitarem suas esposas, e isso é crível (para alguns que não representam certos papéis sociais, do bom marido, bom patrão, bom sócio, bom amigo, bom cidadão pagador de impostos, etc).
Laços afetivos mais imediatos talvez contenham a força estrutural do machismo nas hierarquias sociais, do odioso legado dissimulado do escravismo, da subalternização feminina de muitas maneiras ainda reproduzidas nos cotidianos familiar e profissional. Daí a legitimidade com a qual verdadeiras manifestações preconceituosas, odiosas e criminosas, (além de moralismos virtuosos e autoelogios aos “incorruptíveis”) da parte do líder da extrema direita serem aceitas por muitos, inclusive por cristãos evangélicos ou não, como naturais, “coisas impensadas” ou ” verdades que só o Mito tem a coragem de afirmar em público”…
Todo o anedotário de afrontas à democracia, ao Judiciário, aos pobres do nordeste, aos povos indígenas, e toda a falta de empatia com jornalistas, professores e artistas, com a questão do trato ambiental adequado à Amazônia e com os setores progressistas (de esquerda e liberais) foram crescendo junto à população para os quais a truculência, a ignorância e à admiração de abomináveis lideranças ultraliberais da extrema direita, são somente um detalhe diante de um projeto maior, de “saneamento” ou limpeza do que costumam denominar como “lixo”… Nesse aspecto o bolsonarismo, escorado no antilulismo e em outros fatores, engendrou e catapultou uma figura relativamente obscura, Bolsonaro, extrapolando-o.
As raízes do ódio no nosso país são centenárias e o pêndulo populista agora afirma a sua vocação iliberal. A derrota eleitoral do protofascismo é importante, mas diz pouco sobre reais mudanças na cultura popular. Parte desta abdica das instituições e das elites em favor de uma liderança autocrática. Anestesiados pelo medo e pela insegurança e alimentados por fake news e fantasmas, constituem aquilo que Hannah Arendt via como seres humanos responsáveis pela banalidade do mal.
Questão recorrente: a desinformação induz meus amigos e conhecidos a aceitar, aplaudir e legitimar o assassinato da incipiente e problemática democracia liberal (muitos inconscientemente, talvez)? Ou a excrescência nazifascista em seus caracteres básicos já carrega um DNA totalitário tardio. Ou seja, trata-se de indivíduos ressentidos e desesperados, potencialmente apavorados diante de muitas crises reais e fictícias, ávidos pelo gozo Redentor dos moralistas absolutos.