Ciro Gomes costuma ser um bom atirador com pontaria errada. Seu último tiro acertou no alvo de um debate quase clandestino entre lideranças do PT que pretendem sobreviver à debacle partidária. “Quem está no final de ciclo é Lula. O Lula descolou-se da realidade. Começou a brincar de Deus, a se autorizar a praticar todo o tipo de coisas intoleráveis”.
Ciro pôs o dedo numa ferida que incomoda a esquerda e atordoa o PT. O que Lula é hoje? Olhando para a frente, o que ele ainda significa? Bola no chão. Na área criminal, as investigações avançam e o cercam por vários lados, a cada dia o laço aperta. Seu principal instrumento de defesa, que virou único, era sua popularidade. Essa também se esvaiu.
Nessa campanha eleitoral, pela primeira vez em sua história política, Lula mais tirou do que deu voto. Por mais incrível que pareça, virou uma espécie de espalha rodinha. Quem não o expôs na propaganda eleitoral – caso, por exemplo, de Fernando Haddad em São Paulo, colheu um prejuízo menor. Os que, pelos mais variados motivos, tiveram que apresentá-lo como referência no rádio e na tv, pagaram um preço bem maior.
Isso já está contabilizado. A dúvida entre petistas e aliados é se qualquer projeto de reconstrução das esquerdas ganha ou perde com a participação de Lula. Esse dilema é maior entre petistas que dizem não terem diretamente se envolvido em falcatruas.
Como sempre, Tarso Genro saiu na frente com a bandeira de uma reorganização da esquerda, mas não fala sobre o papel de Lula nesse novo projeto. “Parece que ele quer tirar as batatas das brasas com as nossas mãos”, avalia uma liderança do PT com papel de destaque nesse debate. “Essa é uma das questões centrais. Lula é a maior liderança popular da nossa história. Temos algum futuro político atrelados a ele?”.
Entre quem se acha com cacife de dar cartas nesse jogo, o dilema é ainda maior. Com o desastre político e eleitoral, o PT abriu brecha para interessados em ocupar o seu espaço.O PC do B foi junto para o buraco. O PDT tenta escapar justamente pelas mãos e frases de efeito de Ciro Gomes. O PSOL se candidata como herdeiro direto do PT, com o discurso de volta às origens comuns como melhor referência para as esquerdas. Isso é fato?
Fiz essa pergunta ao deputado Arlindo Chinaglia, um dos expoentes das gestões petistas como presidente da Câmara e líder do governo. Ele diz que o PSOL não é herdeiro do PT, nem está a sua esquerda. “Diferente do PT, a base social deles se limita ao funcionalismo público. Romperam com o PT contra a correta reforma da Previdência no governo Lula, continuam atuando no mesmo espaço”.
Pois é. Nesse caso, nem a máxima de que as esquerdas só se unem na cadeia, funciona.