Basta reler o que a gente escreveu no primeiro semestre de 2019 para entender o que então se sabia e hoje virou escândalo. O que se noticiou naquela época, após o escândalo das rachadinhas, que pipocou na transição entre os governos, foi o começo de uma grande guinada do que prometia o governo Bolsonaro.
Daí resultou um acordão com a cúpula do Congresso Nacional e com ministros do STF para, em nome de frear exageros da Operação Lava Jato, enquadrar a atuação de órgãos do Estado como a Receita Federal, o Coaf, o Banco Central e a Polícia Federal. Cada parceiro desse acordo tinha uma queixa ou reivindicação.
O que motivou Bolsonaro, logo na largada do governo, a dar um cavalo de pau em toda a moralidade que pregou na campanha eleitoral, foi a descoberta do esquema das rachadinhas de sua família, do protagonismo de Fabrício Queiroz, e a constatação de que tudo isso foi apurado pelo Coaf, com base em dados da Receita Federal.
O Coaf, então, virou patinho feio. O desastrado ex-ministro Sérgio Moro cometeu a besteira de por o Coaf sob suas asas. Foi a deixa para políticos de todos os naipes, o clã Bolsonaro e alguns ministros do STF, na berlinda em investigações na Receita Federal, virassem o jogo.
A Receita Federal ali entrou na berlinda como se estivesse indevidamente bisbilhotando mulheres dos ministros Gilmar Mendes e Dias Tofolli, o clã Bolsonaro e grande parte da elite política envolvida nos mais variados escândalos. Muitos ainda, apesar das evidências, pendentes de apuração.
Como a Folha de S. Paulo revelou, o primeiro ovo desse serpentário começou a ser chocado, nos idos de 2019, pelo chefe da Inteligência da Receita Federal, Ricardo Feitosa, que bisbilhotou os dados fiscais do então chefe do Ministério Público do Rio de Janeiro, Eduardo Gussem -responsável pela investigação sobre Flávio Bolsonaro-, Fabrício Queiroz e toda a galera que surfou nas Rachadinhas. Também foram alvos o empresário Paulo Marinho, suplente de Flávio Bolsonaro, e o ex-ministro Gustavo Bebianno, braço direito de Bolsonaro, defenestrado do governo pelo ciúme de Carlos Bolsonaro, o Carluxo.
O processo disciplinar por esse crime funcional de Ricardo Feitora caiu nas mãos do corregedor da Receita Federal, João José Tafarel, outro bolsonarista, que alega agora ter sofrido pressão de seus superiores para arquivar a investigação. Isso está sendo internamente apurado. A expectativa é de que ele seja demitido.
Mas há uma questão de fundo bem maior. Quem bancou em todas as pontas as ilegalidades na Receita Federal pra proteger o clã Bolsonaro e infernizar a vida de adversários? Muito além de uma falta administrativa, tudo indica que rolou crime nessa parada. Como é federal, deve ser investigado pela Polícia Federal.
Com toda a gravidade, é mais um na penca de crimes pelo uso e abuso de órgãos estatais na própria Polícia Federal, na Polícia Rodoviária Federal, no Itamaraty que devem ser apurados. E punidos.
A conferir.