Presidencialismo de coalizão funciona?

É possível avançar sem que o Brasil mude seu sistema de governo?

Prédios da Suprema Corte e do Congresso Nacional brasilianos vistos a partir do Palácio do Planalto - Foto: Agência Senado / Marcos Oliveira

Entra governo sai governo e a cantilena contra a taxa de juros, a alta da inflação, obras paralisadas, desemprego, fome, corrupção, crime organizado, tráfico, garimpo ilegal, falta de hospitais e educação, e o governo que entra sempre vem com a costumeira ladainha de que está recebendo uma herança maldita.

A centenária disputa partidária nos EUA, onde apenas dois partidos têm relevância eleitoral e política

Nos EUA, existem vários partidos, mas democratas e republicanos se alternam no poder com apenas 15 ministérios. Lá também se vota diretamente no Presidente, mas para este ser eleito, tem que conseguir a maioria dos delegados (deputados) destes partidos, eleitos pelo voto distrital. Com uma população de 330 milhões, o Parlamento dos EUA tem 435 deputados com mandatos de 2 anos e 100 senadores com mandato de 6 anos. Aqui no Brasil, com 216 milhões de habitantes (120 milhões a menos) temos 81 senadores com 8 anos de mandato e 513 deputados com 4 anos. Pelo voto distrital, lá se elege o mais votado do distrito. Aqui, com o voto proporcional, em torno de 5% (29 nesta eleição) se elegeram com os próprios votos e 95% com o tal coeficiente das “cooperativas de deputados”, como disse Lula na CNN (16/02/23) que diz ser apenas o PT um partido e o resto uma cooperativa de deputados e senadores. Este é o tendão de Aquiles do sistema presidencialista sem partidos autênticos e voto proporcional e suas mazelas.

A Constituição dos EUA entrou em vigor em 1789 (234 anos) foi alterada apenas 27 vezes até hoje. Nós já tivemos sete constituições. A que mais durou (65 anos) foi a do Império, que era parlamentarista. Pelo golpe de estado militar em 15 de novembro de 1889 (134 anos), proclamaram a república e com ela já tivemos 6 constituições presidencialistas. A atual já tem mais de 128 emendas, e pelo que se percebe do atual governo teremos muitas mais.

Neste sistema presidencialista já tivemos vários golpes de estado, ene vezes trocamos a moeda, muitos planos econômicos para combater inflação ou tentar uma previdência social mais justa e estável, mas o sistema não consegue fazer as imprescindíveis reformas administrativa e tributária.

Colheita de trigo em Bagé (RS) – Foto: Wenderson Araujo / Trilux

Em contrapartida à inoperância governamental, a população tem feito a sua parte para que o Brasil virasse uma potência econômica na produção de alimentos. Nesta safra, o agronegócio com novo recorde na produção de soja, mais uma vez ultrapassa os EUA. Em 2027 seremos autossuficientes em trigo e, daqui a 20 anos, passaremos a ser o maior produtor de alimentos do planeta. Isto, é claro, se o governo não inventar moda e não atrapalhar.

Enquanto isso, o sistema com seus governos faz crescer a burocracia, mantê-la sem avaliação e meritocracia apesar da exigência constitucional dos arts. 37, II, e 39. Prevalece o corporativismo nefasto que tornou uso e costume os cargos comissionados – causa da famosa rachadinha, corrupção institucionalizada e sistêmica que obriga o governo a gastar mais do que arrecada.

Dívida Pública Federal – que inclui o endividamento interno e externo do Brasil – fechou 2022 em R$ 5,951 trilhões, como informou a Secretaria do Tesouro Nacional, do Ministério da Economia. O valor representou aumento de 6,02% em relação a 2021, quando a dívida estava em R$ 5,614 trilhões.

Apenas para pagar os juros da dívida, nos últimos 5 anos, gastamos mais de trilhão de reais.

De acordo com o impostômetro, da ACSP, o valor pago por brasileiros passou de R$ 2,8 trilhões em 2022

A solução é tão óbvia que se governo gastasse menos do que arrecada, sem corrupção, daria para construir as obras das estradas, pontes, ferrovias e portos que nossa produção precisa para ter competitividade no mercado internacional e ainda daria para atender serviços essenciais de educação, saúde e segurança (art. 6º da CF).

Uma nação é como uma família, se gasta mais do que ganha as contas não fecham e ela tem que apelar para empréstimos ou usar cartão de crédito com juros escorchantes se endividando e indo à falência. Seus filhos passam a não ter a IGUALDADE DE OPORTUNIDADE para qualificarem-se e disputarem as ofertas dos melhores empregos.

O nosso povo sempre torce para que o novo governo dê certo. Este prega  reconciliação, mas não desce do palanque eleitoral para transformar promessas em realidade com atos, atitudes e ações.

Lula fala que o mercado deve ser mais humanitário para segurar os preços e conter a inflação, para que logo em seguida venha o Haddad desdizer que não foi bem assim, mas a credibilidade e torcida popular vai ruindo, como ruiu o apoio popular dos fiscais do Sarney no indigitado plano Cruzado que até trocou a moeda.

Somente uma Constituinte Exclusiva poderá mudar esta péssima cópia que os militares tentaram fazer do sistema americano de governo.

Vamos aos documentos da história que pouca gente sabe e recorda, até porque parece que na nossa escola pública a história política do Brasil foi deliberadamente esquecida.

Em 22 de março de 1988, com a presença de 559 membros da Constituinte, o apoio decisivo do Centrão aprovou a manutenção do regime presidencialista e a duração de cinco anos para o mandato do presidente da República (recebeu em troca as emendas parlamentares que viraram no tal orçamento secreto). 

Assembleia Nacional Constituinte, de 1988, elaborou a atual Constituição brasiliana

Derrotada a emenda, os parlamentaristas ainda conseguimos incluir nas Disposições Transitórias da Constituição o artigo 2º. “No dia 7 de setembro de 1993, o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no país”.

A emenda constitucional 2º antecipou a data para 21 de abril de 1993, com apoio do PT de Lula e PDT de Brizola, bem como a maioria dos governadores e políticos que sempre sonham ser presidentes. Ganhou o presidencialismo com 41,16% contra os 18,3% do parlamentar

Cédula de votação onde o eleitor decidiu a forma e o sistema de governo brasilianos, em 1993

ismo. Chamou atenção o grau de despolitização do nosso povo, pois, entre brancos, nulos e abstenções somaram-se mais de 50% dos eleitores.

Vejamos o que nos mostra o conceituado Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) sobre o número de ministérios deste arcaico, retrógrado e corrupto sistema presidencialista.

Itamar Franco, ainda vice-presidente do Brasil, ao lado do ainda titular da Presidência da República, Fernando Collor de Mello – Foto: Orlando Brito

Fernando Collor (15 mar. 1990 a 1 out. 1992)

O ministério da posse incluiu apenas dois ministros partidários, Carlos Chiarelli (Educação) e Alceni Guerra (Saúde), ambos do PFL, entre os catorzes nomeados. Bernardo Cabral, do PMDB, Ministério da Justiça como independente, sem representar o partido. 14 ministérios

Itamar Franco (2 out. 1992 a 31 dez. 1994)

No primeiro gabinete, as quantidades de ministérios do PMDB (4), PFL (3) e PTB (1) foram proporcionais ao tamanho das suas bancadas, enquanto as do PSDB (3) e PSB (2), Sem partidos no total de 20 ministérios

Fernando Henrique 1° mandato (1 jan. 1995 a 31 dez. 1998).

No seu primeiro gabinete, o PSDB ficou com seis pastas (30%), o PFL com três (15%), PMDB e PTB com duas cada (10%) e Francisco Weffort, do PT, para a Cultura conseguiu diminuir para 18 ministérios

Fernando Henrique 2° mandato (01/01/1999 a 31/12/ 2002)

Excluiu o PTB remanejou nomes e manteve os 18 ministérios

Luiz Inácio Lula da Silva no dia de sua 1ª posse como presidente da República, ao lado do antecessor, Fernando Henrique Cardoso – Foto: Orlando Brito

Luiz Inácio Lula 1° mandato (1 jan. 2003 a 31 dez. 2006)

Seu primeiro gabinete foi composto apenas pelos partidos da base minoritária do governo, com forte sobre representação do PT, que recebeu 18 ministérios (60%, tendo 37% das cadeiras da coalizão). Os outros sete partidos receberam um ministério cada. Além disso, foram nomeados cinco ministros não partidários (Agricultura, Defesa, Indústria, Justiça e Relações Exteriores). 30 ministérios

Luiz Inácio Lula 2° mandato (1 jan. 2007 a 31 dez. 2010)

A distribuição de ministérios continuou concentrada no PT, que recebeu metade das pastas (15), embora sua bancada representasse pouco menos de um quarto da coalizão, mas reduziu para 29 ministérios

Dilma Rousseff 1° mandato (1 jan. 2011 a 31 dez. 2014)

Seu primeiro gabinete preservou a composição partidária do final do governo anterior, concentrada no PT, que recebeu 17 pastas, chegando aos 32 ministérios

Dilma Rousseff 2° mandato (1 jan. 2015 a 11 mai. 2016)

PT com 12, PMDB 7 para mesclar com a base do centrão e manter 32 ministérios

Michel Temer (12 mai. 2016 a 31 dez. 2018)

O PMDB, partido do presidente, ficou com oito ministérios (35%), PSDB com 3 (13%), DEM com dois (9,5%) e os demais partidos, com um cada. Apenas três ministros não representavam partidos (Fazenda, Meio Ambiente e Transparência). 21 ministérios

Jair Bolsonaro, presidente do Brasil entre 2019 e 2022, recebe a faixa presidencial do antecessor, Michel Temer, ambos ladeados pelas esposas – Foto: Orlando Brito

Jair Bolsonaro (1 jan. 2019 – 31 dezembro 2022)

Nomeou 14 ministros integrantes de partidos políticos ligados ao centrão. O número equivale a mais da metade das 23 pastas, sendo que até tentou criar novo partido, quando ele mesmo mudou de partido. foram 23 ministérios

(Pelo levantamento feito pelo Brasil de Fato, 52 pessoas chegaram a ser ministros. A pandemia em muito foi a causa destas mudanças.)

Neste 3º mandato de Lula, com a tal Federação Partidária, não é de se surpreender com a tentativa de acabar a autonomia do Banco Central e da responsabilidade fiscal do teto de gastos para sustentar seus 37 ministérios e as centenas de estatais, como o fantasmagórico Trem Bala, que já gastou mais de um bilhão de reais, não se sabendo se já existe o projeto da decantada obra dos governos petistas.

E agora, José, como remover estas pedras do caminho?

* Nilso Romeu Sguarezi é advogado. Foi deputado federal constituinte de 1988. É defensor de uma Assembleia Nacional Constituinte Exclusiva 

 

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