Bolsonaros e filhos serão presos? questiona um amigo. Talvez, mas se depender de Lula e do sistema judicial, não. Lula é conciliador. Sobretudo, muito inteligente. Seu objetivo maior é lavar a honra e elevar sua imagem como o maior estadista do Brasil. Para isso terá que somar em tempos de divisão. E processos com foros distintos na competência são morosos, e demasiadamente políticos.
Não faltarão os de sempre, ressentidos com a “fraude” e com as catilinárias dirigidas ao presidente eleito. Tudo normal na política. Uma vez vitrine, às pedras.
O clã Bolsonaro decaiu com a derrota do chefe, deixando seus telhados de vidro. Lula, pelo contrário, é o empoderado e já sabe o que é ter a imagem destruída por anos de tortura à sua pessoa. Não entro no mérito do direito processual, sentenças e recursos, erros, nulidades. O Direito já disse o Direito. Não nos cabe julgar juízes e tribunais.
Mas diz um ditado popular: não importa se a mulher é desonesta (ou honesta). Ela tem que aparentar ser honesta. Lula deu a volta por cima, até o presente momento. Acusado de propinagens, ergueu-se e conquistou mais de sessenta milhões de votos em 2022. Há vinte anos venceu com cinquenta e três milhões. Um feito que diz muito por si só. E Bolsonaro? Até quando vai aparentar ser o patriota-mor, o incorruptível, o defensor da “boa moral” e, pasmem, o imbroxável?
Bolsonaro vai bem? Mais ou menos. Além da derrota, há indícios de inúmeros crimes envolvendo pai e filhos, mas nada devidamente averiguado. Sem os devidos processos legais todas as denúncias são meras retóricas políticas, somente. Recluso em seu palácio e deprimido, chora e não se pronúncia. Esperava um apoio que não o socorreu. As Forças Armadas e as bases parlamentares rechaçaram a hipótese de golpe. Somente ingênuos ou imbecis continuam numa bolha da ignorância, acreditando que Lula não será diplomado e empossado.
Lula jogou o jogo, do mercado, da política, um xadrez cheio de armadilhas. Pagou o preço. Cadeia e fama de ladrão para um entre cada dois brasileiros. Não sobraram acusações. Filhos teriam dezenas de fazendas. A família de Lula acumularia bilhões nas contas. Nada foi comprovado, embora sua vida tenha sido vasculhada como a de ninguém neste país. O pífio foi anulado: Objeto? Uma coberturinha mequetrefe em Guarujá, presente (ou futura compra) frustrada, de conhecida empreiteira corrupta para seu benfeitor no governo e um sítio. Outros processos prostituídos foram anulados. O The Intercept implodiu com a Lava Jato remetendo Sérgio Moro ao lugar da insignificância, típico dos personagens menores na história.
Lula zerou o jogo, veio e ganhou. Sabe que não pode permitir mais falcatruas. Há sim perigo nas esquinas do transformismo repetido. O acordo com Arthur Lira desmonta o bolsonarismo. Mas vai cobrar dividendos, seguramente.
Bolsonaro perdeu ao vencer as eleições em 2018, por não saber fazer boa política. A não ser debochar e agir com micagens e desclassificações do Outro. Um Outro imenso. Povos indígenas, riquezas naturais, identitários, socialistas, católicos, vítimas da covid. Ele pensou poder reconfigurar o Brasil num cristianismo menor, legitimando as forças mais reacionárias do agro ao sertanejo, da mídia às classes médias mais medrosas. Bolsonaro envolveu e tentou prostituir as Forças Armadas.
Felizmente há evangélicos sérios muito distantes do padrão histérico e maldoso de Silas Malafaia. Militares honestos e democratas são a regra. Setores medianos conscientes de que não há dúvidas entre democracia, adoecida, bem verdade, e revitalização fascista, começam a ter esperança.
Sim, há liberais conservadores comprometidos com um país unido e não dividido. Dividido por incentivo de narrativas obscurantistas. Dividido por mentiras veiculadas por robôs. Dividido por mau exemplo de um presidente perseguido por medos e compulsões.
Lula terá um governo tumultuado. Os cenários não são alvissareiros. Crescimentos mundial e nacional pequenos ou moderados. País dividido após as eleições de 2022. Sobretudo, uma ideologia bolsonarista que se desgruda do confuso quadro político ultraconservador de Bolsonaro, aproximando-se de comportamentos irracionais da extrema direita fascista.
Da parte da esquerda de governabilidade e de suas elites burocráticas, haverá pressão para processar e prender Bolsonaro e filhos. Lula fará tudo com essa moeda de troca, negociando os panos quentes. Isso porque a corrupção, sendo endêmica e parte da cultura política, não se extingue por decreto ou promessas. Lula caiu por que optou por não ver a bandidagem ao seu redor. Se fizer o mesmo, poderá ser tirado do poder por aqueles mesmos algozes de sempre.
Várias questões podem ser levantadas nesse segundo grande acordo com os que detêm o poder e o dinheiro (o primeiro foi lavrado em 2002). Lula logrará ganhos efetivos de reparação de danos para os menos protegidos? Quais? A que custo com a acumulação canibal (financeira)? E as lutas libertário-igualitárias, podem ser retomadas sob acordos tão assimétricos na relação entre ganhos dos trabalhadores e lucratividade de bancos, agronegócios e seletos setores a eles vinculados?
Edmundo Lima de Arruda Jr
Fpolis, 07.12.2022