Somos o País dos privilégios. Segundo os historiadores, trata-se de herança de Portugal. Não o país como é hoje, mas o anterior à Proclamação da República e, sobretudo, ao dinâmico Portugal dos nossos dias, procurado por brasileiros à procura de trabalho.
A Carta Imperial de 25 de março de 1824 não poderia fugir às origens, apesar da qualidade que espíritos isentos de preconceitos lhe reconhecem. Para ser fiel à tradição e ao caráter monárquico, concedeu ao Imperador Constitucional, Chefe Supremo da Nação e seu primeiro representante, a vitaliciedade no trono, inviolabilidade sagrada e insubmissão a qualquer espécie de responsabilidade. É necessário admitir que D. Pedro I e D. Pedro II se conduziram à altura das responsabilidades inerentes ao trono.
Privilegiado especial, contudo, era o senador vitalício. Assim o previa o Art. 40: “O Senado é composto de membros vitalícios, e será organizado por eleição provincial.” Cada Provincia “daria tantos Senadores quantos forem metade dos seus respectivos deputados”, eleitos listas tríplices, “sobre as quais o Imperador escolherá o terço da totalidade da lista” (artigos 41 e 43).
A vitaliciedade dos senadores não era acatada de forma unânime. João Camillo de Oliveira Torres, autor do clássico A Democracia Coroada, observou que “os liberais combatiam o sistema adotado por uma questão de princípios: os mandatos querem-se efetivos e temporários…Outras razões se faziam presentes: a morosidade na renovação dos quadros; a extrema vetustez a que chegavam certos senadores francamente senis; o seu alheamento às coisas das províncias; o orgulho, a indiferença” (Ed. Vozes, Petrópolis, RJ, 1964, pág. 105).
A propósito de vaga aberta no Senado, com a morte do senador João Antônio Miranda, eleito pelo Mato Grosso, escreveu Machado de Assis em O Velho Senado: “É tão bom ter uma cadeira no senado! A gente faz seu testamento, e ocupa o resto do tempo em preocupações higiênicas, a bem de dilatar a vida e gozar por mais tempo das honrarias inerentes ao posto de príncipe do império” (Ed. Senado Federal, Brasília, DF,1989, pág. 76).
O Senado Federal é oneroso e dispensável. Países desenvolvidos, livres e democráticos adotam o sistema unicameral, dispondo apenas de Câmara dos Deputados, onde se reúnem representantes eleitos pelo povo. Seria mais honesto, prático, rápido e eficiente. Não bastasse, na onerosa casa dos lordes, habitada por 84 senadores investidos de mandato de 8 anos, cada senador conduz à ilharga dois suplentes sem um único e solitário voto. Muitos são totalmente desconhecidos. Imagino que suplicam pela intervenção divina, para gozarem de pelo menos uma oportunidade para se manifestarem.
O Estado de São Paulo, por exemplo, tem no Senado, como um dos três representantes, o empresário Alexandre Luís Giordano, que adota Giordano como nome parlamentar, empossado na vaga aberta com a morte do senador Major Olímpio. Até tomar posse era desconhecido fora dos limites de sua cidade, Osasco. De um salto assumiu o Senado, com todas as mordomias e raras obrigações. Existem exceções, mas quase sempre a escolha se faz entre membros da família ou como financiador da campanha do candidato.
A figura do suplente único surgiu no art. 60, § 4º, da Constituição de 1946. A existência de dois suplentes apareceu na Emenda Constitucional nº 8/77 à Constituição de 1967 (Emenda nº 1/1969), a mesma que instituiu a figura do “senador biônico”, eleito pelo sufrágio do Colégio Eleitoral, constituído para a eleição indireta do Governador do Estado. Integrou o “pacote de abril”, do presidente Ernesto Geisel.
A ressureição do senador biônico não eleito, para ser conselheiro presidencial, atenta contra os princípios da moralidade e da impessoalidade fixados como condições necessárias ao investimento em qualquer cargo de Administração Pública. Assim o prescreve o Art. 37 da Constituição, talvez o mais violado entre 250 dispositivos da Lei Fundamental.
A iniciativa partiu ao senador Eduardo Gomes, eleito pelo Partido Liberal, representante do Estado de Tocantins. Ex-Presidentes vivos, desfrutando de boa saúde, situação tranquila e de merecido descanso, temos José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso, Dilma Roussef, Michel Temer. Jair Bolsonaro consome os últimos dias do mandato. Luís Inácio Lula da Silva se apresta a voltar à Presidência da República.
A quem, afinal, interessa o título de senador conselheiro sem direito à voto e à participação na escolha do presidente da Casa? Afinal, se o presidente Lula necessitar de conselhos, saberá onde e como encontrá-los.
– Almir Pazzianotto Pinto é advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Criou e presidiu o Conselho Superior da Justiça do Trabalho