“No forno do arcaico fuinhas estufam. Um tufo de pecuinhas, arcanos do estofo. O torno da ladainha, decanos do estorvo. O torto da rinha faz o broto do vil mosaico”. Leguleios. (ELAJr.17.11.10).
A questão da reprodução é essencialmente produção social. É a cultura e não o interesse econômico o vetor mais presente na definição das dinâmicas sociais.
Análises articuladas na causalidade do poder e do dinheiro dissolvem-se nas recorrentes contingências, contradições e fatos diversos (e adversos), a exemplo das grandes questões étnicas, religiosas, regionais, mas também naquelas que dizem respeitos aos estamentos particulares, enraizados nas estruturas sociais. Nelas se reconfiguram jogos de poder e compromissos para a sobrevivência geral e de corporações, nem sempre vinculadas diretamente à lex mercatoria.
Pierre Bordieu no livro “O Estado” indica como os juristas, tendencialmente, colocam-se ao lado dos poderosos. Eles teceram a estrutura institucional do poder moderno, requalificando os seus lugares antigos de glosa. Desde o medievo até o nosso tempo reinventam-se no patamar de artesãos da complexidade burocrática chamada racionalidade jurídica.
Os juristas são homens no poder ou para o poder. Afirmar, como o fez Juan Ranon Capella, que juristas fazem parte de uma casta, diz muito e pouco. A vocação tem origem muito antiga, sobretudo ao aconselhar imperadores romanos sobre suas intervenções naquilo que Weber situava como direito racional material, vale dizer, sob o controle último e definitivo via ato de vontade de um líder máximo, não obstante o caráter já bem formal da racionalidade jurídica.
Na idade Média essa silenciosa intervenção dos juristas dá-se em favor tanto da manutenção das realezas absolutas quanto na transformação de um novo modo de produção, posta a crescente emergência de novas forças produtivas e relações de produção, anunciando a dominância do capitalismo. No complexo processo de racionalização geral que esse novo modo de desenvolvimento promovia, leis e seus homens passam por um maior grau de complexidade, galgando certa autonomia relativa em face da afirmação do direito racional formal.
Com a modernidade jurídica e política moderna esse modelo jurídico-político apostou na democracia liberal, no mercado, e no casamento eterno entre eles. Nas sociedades tardias ou semiperiféricas como o Brasil a constituição de campos institucionais, do público e do privado, do mercado e da política, continuam não sendo um movimento pacífico no sentido de afirmação de legalidades diferenciadas.
A meritocracia republicana não impede a insurgência de zonas de influência em concursos públicos. Por linhas colaterais candidatos buscam alguma distinção, privilégios, favores.
A existência do quinto constitucional movimenta por linhas um tanto sinuosas os postulantes, para os quais as capacidades jurídicas costumam perder de longe, para as articulações políticas reais. As habilidades técnicas que os cargos exigem são sonegadas nessa barganha, apesar da Lei. Em prejuízo para a República.
Por certo, o espírito de corpo é parte positiva da autoproteção. A crítica é dirigida ao corporativismo, onde as esferas do público e do privado se misturam, esvaziando mais e mais a República de algum republicanismo. Interesses particulares pendem dentro das estruturas estatais. O velho patrimonialismo é a prova, dissimulada ou não, de uma democracia capturada por leguleios e políticos menores. Mesmo nas Universidades, concursos para docentes ainda revelam uma seletividade por “afinidades eletivas” que um inquestionável processo seletivo pautado em critérios objetivos. Uma realidade ainda presente em todas as esferas federativas. Um obstáculo a ser superado.
A produção social em tempos de reinvenção do homem jurídico em padrões modernos ainda está por vir. Talvez a sinuca de bico da democracia liberal e o chicote do mercado volátil, arrebentando direitos, ajudem aos juristas a repensar os seus lugares sociais em prol de uma regulação jurídica efetivamente moderna, distante das más tradições.
Edmundo Lima de Arruda Jr