A imagem que a maioria dos brasileiros tem de Brasília é a de uma cidade político-administrativa, sem alma, fria, sem povo. Um lugar onde os políticos do país chegam às segundas para cumprir os seus compromissos na Esplanada dos Ministérios e nos palácios, e, partem às quintas-feiras ansiosos para chegarem aos seus domicílios eleitorais por falta de opção do que fazer na Capital Federal.
A maioria dos brasileiros não suspeitam que bem próximo à Praça dos Três Poderes, entre o Palácio do Planalto e o Palácio da Alvorada, existe uma vila de operários que construíram a nova capital – a Vila Planalto. Por mais de 30 anos ela manteve escondida em meio à vegetação. Resistiu ao tempo e às mudanças ocorridas em Brasília, graças à luta dos seus moradores para permanecer no local.
Ali, dentro do Plano Piloto, estão as últimas edificações de madeira, construídas ainda na época de Lucio Costa, tombadas pelo patrimônio histórico do DF. Infelizmente, mesmo tendo sido tombada, a Vila Planalto não foi preservada. Restam poucas construções originais dos anos 1950, que, na época, abrigaram os engenheiros e operários das construtoras que erigiram a capital.
Percebendo que a História da construção de Brasília, que foi registrada e paga pelo Estado, enaltece mais a grandeza dos monumentos e menos o esforço de quem a construiu, decidi registrar em um livro os relatos dos pioneiros e seus descendentes, que vivem na Vila Planalto. São testemunhas da história do Brasil há mais de 65 anos.
Buscamos romper com o silêncio e contar como era a vida dos operários que viviam em condições precárias nos alojamentos durante a construção de Brasília. Candangos que depois da inauguração da capital foram esquecidos. Hoje, surgem como um incômodo político por ocuparem um território nobre dentro do Plano Piloto, próximo ao centro do poder político do país.
No livro , também chamo a atenção para o descaso com a preservação do que restou de madeira na Vila Planalto. Mas, mais do que isso!
Nesse momento delicado, onde tantas pessoas pedem por intervenção federal e clamam por uma ditadura militar com fechamento das instituições democráticas, meu livro traz com relatos sobre como o período da ditadura foi nefasto para a população da Vila Planalto. No dia do golpe de 1964, viram a Vila cercada pelas forças armadas, com soldados mandando os moradores entrarem em seus barracos e ficarem em silêncio.
São relatos emocionantes sobre as remoções de barraco, de estudante se escondendo da repressão quando a universidade foi invadida, do pavor dos moradores quando ocorreu o sequestro e assassinato da menina Ana Lídia, cujo corpo foi encontrado no cerrado perto da Vila.
É um livro necessário, que não passa pano para os horrores do período da ditadura militar. Um livro feito de modo independente, sem editora, com recursos próprios, cuja impressão contou apenas com o patrocínio do Instituto Espinhaço. Uma organização não governamental de defesa do Meio-Ambiente e da Cultura, fundada pelo ex governador do Distrito Federal, José Aparecido de Oliveira, um político que se empenhou em tornar Brasília um Patrimônio Cultural da Humanidade.
Escrevi sobre a experiência de crianças pobres ( meus irmãos) que viveram no que restou do acampamento da Bragueto e eram levadas em caminhões para estudar em quartéis, sem qualquer ludicidade.
Conto o que era a repressão, os Atos Institucionais, as torturas e a censura da ditadura. Como isso impediu a luta e conquista por direitos básicos na nossa vila. Falo, ainda, como surgiram os nossos movimentos de luta e resistência. Não foi por acaso que as pessoas só se organizaram após a Anistia e no período das Diretas Já.
Muita gente não sabe, mas, aqui entre os palácios, teve um movimento popular forte baseado nas Comunidades Eclesiais de Base.
Engana-se quem pensa que meu livro é só sobre casas de madeira. Meu livro é sobre o Brasil, é sobre luta popular por moradia, sobre protagonismo feminino, preservação de memória e luta por direitos.
O título: “Vizinhos do Poder” foi bastante apropriado, afinal, na Vila Planalto somos os únicos que podemos dizer: “Há 65 anos, o Presidente da República trabalha na frente da nossa casa e mora no nosso quintal”. O lançamento está previsto para o dia 05 de Dezembro. O prefácio é do ex-Presidente da República José Sarney, o presidente da abertura política e que promulgou a Constituição Cidadã de 1988.
SERVIÇO:
Vizinhos do Poder- História e Memória da Vila Planalto
Autora: Leiliane Rebouças
Edição independente, 333 páginas.
Lançamento em Brasília: 05 de Dezembro de 2022.