A história do rádio no Brasil começou com a paixão de um homem eminente: Edgar Roquette-Pinto, cientista e pioneiro, explorador e professor, escritor e desenhista, um dos grandes nomes da Academia Brasileira de Letras. Jovem médico, tornou-se professor de antropologia, de história natural, de fisiologia. Logo foi o braço direito do Marechal Rondon e fez o que ainda não tinha sido feito: gravou e fotografou e filmou os povos contactados na expedição a Rondônia. Suas observações científicas se espalham por todos os domínios: da notação musical à geológica, da sociologia à etnografia. O Rondônia é um livro que sobrevive ao tempo, avançadíssimo em seu contraste com os preconceitos raciais da época. Criou, como diretor do Museu Nacional — esse que a desídia deixou queimar —, uma extraordinária cinemateca científica. Inventou o Instituto Nacional de Cinema Educativo e fez Humberto Mauro filmar centenas de documentários.
A primeira rádio foi criada em 1919, em Rotterdam. No centenário da nossa Independência, Roquette-Pinto — exigia que seu nome fosse assim grafado — promoveu a primeira transmissão de rádio no Brasil. Falou o Presidente Epitácio Pessoa e soou O Guarani. Sua visão era — sempre, como uma obsessão — a do educador, que imaginava o que se poderia fazer. Mas não conseguiu que o governo apoiasse a instalação da primeira rádio.
Só em 20 de abril de 1923, com equipamentos comprados pela Academia Nacional de Ciências, Roquette-Pinto iniciou as transmissões da primeira rádio brasileira, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Logo, como uma febre, as rádios se espalharam por todo o País. A dele era inteiramente voltada para a educação, com programas feitos por educadores e cientistas. Em 1936, sem condições de bancar os avanços tecnológicos e recusando a propaganda comercial, ele doou essa primeira rádio ao governo. Vargas entregou-a ao DIP, o Departamento de Imprensa e Propaganda, nossa versão do “Ministério da Verdade” de Orwell. Lá foi de novo Roquette-Pinto, conseguindo que ela continuasse destinada à educação, tornando-se a Rádio Ministério da Educação e Saúde, a atual Rádio MEC. Outra rádio, a Rádio Escola Municipal, fundada em 1933, por proposta sua, por Anísio Teixeira, tornou-se depois a Rádio Roquette-Pinto.
Entretanto, eu nasci. O rádio surgiu na minha vida em Pinheiro, pela iniciativa do farmacêutico José Alvim. Ele fundou na cidade o Clube do rádio, que se reunia três vezes por semana. Formou grupos e estabeleceu os dias em que cada grupo tinha direito de ir a sua casa para ouvir o rádio: um grupo ia às segundas; outro, às quartas, e o terceiro, às sextas-feiras. O rádio ficava numa mesinha na frente da casa, do lado de fora.
Numa dessas reuniões, as descargas estáticas foram tantas que houve um protesto geral, com grandes reclamações de que não se ouvia nada. Irritado, José Alvim levantou-se, pegou o rádio, levou-o para dentro de casa e anunciou: “’Tá fechado o Clube do rádio.”
No tempo da Segunda Guerra, quando aquelas descargas provocavam ruído prolongado, José Alvim dizia: “É tiro de alemão! Estamos ouvindo barulho de canhão!” E todos ficavam em silêncio “ouvindo a guerra”.
Depois, quando a guerra acabou e ele não tinha justificativa para o barulho da estática no rádio, então dizia: “Está chovendo na Bahia! Não passa nada de lá para cá! É a zoada no rádio das nuvens de chuva!”
Centenário, o rádio vai sobrevivendo a todas as mudanças tecnológicas: a televisão — Roquette-Pinto, sempre ele, tentou criar, pouco antes de morrer, a primeira TV-Educativa (que acabou sendo criada por mim, aqui no Maranhão) —, o computador, a internet, as redes sociais… Ele, firme, com 90% dos brasileiros escutando as quase dez mil rádios que existem no País.
— José Sarney é ex-presidente da República, ex-senador, ex-governador do Maranhão, ex-deputado, escritor da Academia Brasileia de Letras