A nova política industrial dos EUA vai provocar turbulência no mundo

Para o autor, o Brasil, que sofre um processo crescente de desindustrialização, deve ficar atento às mudanças nas políticas em relação ao setor industrial aprovadas recentemente pelos Estados Unidos.

Os Estados Unidos passam por uma mudança drástica na política em relação ao setor industrial. Depois de muitos anos vigorando a ideia de que o governo deveria evitar dirigir o setor (fora os investimentos em defesa e na corrida espacial), três leis recentes invertem a tendência. Surpreendentemente, os dois partidos se uniram para aprovar três projetos transformadores: um pacote de US$ 1 tri em infraestrutura, o CHIPS Act para o maior programa de 5 anos na história em Pesquisa e Desenvolvimento (US$ 280 bi) e, o mais completo em mecanismos de política industrial, o recente Inflation Reduction Act(IRA) com US$ 374 bi para desenvolver tecnologias limpas e transformar a economia.

Ferrovias chinesas

Não há dúvida que o grande incentivo aos programas, que permitiu até uma trégua política entre democratas e republicanos, se deveu ao espetacular avanço da China nos três objetos das novas leis. A China investiu fortemente em infraestrutura, na construção de ferrovias, trens de alta velocidade, portos, oleodutos, linhas de comunicações, 5G, geração e transmissão de energia, escolas, hospitais e saneamento básico.
Na tecnologia, somente 12% dos chips usados pelas empresas americanas são atualmente fabricados nos EUA, comparado com 37% nos anos 1990. Seja pela China, seja pela dependência de Taiwan, com sérios riscos geopolíticos, o Chips Act autoriza o governo a desenvolver a produção interna de semicondutores.

Prototipagem

Uma política industrial não é uma política de um tiro só. Na verdade, é uma caixa de ferramentas com abordagens diferentes. Essas três novas legislações usam basicamente alguns de quatro tipos dessas ferramentas. A primeira é um projeto de demonstração, ou prototipagem, que ajuda a que uma tecnologia que só existia em laboratório se transforme em um produto real pela primeira vez.

O segundo conjunto de ferramentas trata de políticas de oferta (supply-push policies), como subsídios a novas fábricas ou acesso a insumos baratos. Em 2010, a Tesla se beneficiou de empréstimo com juros baixos para construir uma de suas primeiras fábricas.
O terceiro conjunto de ferramentas são as políticas de demanda (demand-pull policies) que criam um mercado para os produtos das novas fábricas. O Governo pode comprar esses produtos ou subsidiá-los para os consumidores.

O quarto conjunto são as políticas de proteção, principalmente para indústrias nascentes, frente às estrangeiras.

A energia solar é uma fonte renovável utilizada para gerar energia por meio de painéis fotovoltaicos

A IRA usa os quatro conjuntos de ferramentas. A intenção é aproveitar a demanda pela descarbonização para reindustrializar o país com as indústrias associadas ao tema: produção de hidrogênio, captura de carbono, recriação da indústria de baterias, apoio à indústria de equipamentos para energia solar, subsídios para veículos elétricos e novas minas de minerais críticos. Cada cidadão receberá US$ 4.000 de subsídio para um veículo elétrico usado e US $7.500 se for novo, porém apenas se as baterias e os materiais usados tiverem sido produzidos nos EUA.

Não será fácil retomar a dianteira que a China adquiriu em veículos elétricos, painéis solares ou telecomunicações, até pelo ganho de escala no seu imenso mercado interno.

O que podemos aprender com isso tudo? Quando uma nova tendência se apresenta, quem partir na frente para fabricar o que a tendência exige enfrenta um oceano azul se investir em tecnologia e gente. É uma advertência para os retardatários desinformados que tratam muitas dessas coisas como modinha passageira, como aqueles que reagiram inicialmente à tendência ESG ou às mudanças climáticas.

Foto Júlia Altoé/Brasil Startups

Aqui no Espírito Santo podemos pensar em usar o fundo soberano, além dos 250 milhões para startups, para atrair indústrias associadas aos novos temas como veículos elétricos e seus insumos, indústria de equipamentos para energias alternativas, além do que for possível em hardware e telecomunicações. Interessante seria um apoio às chamadas hardtechs ou deeptechs, startups que desenvolvem tecnologias complexas, muitas saídas das bancadas dos pesquisadores. Outro lado seria negociar com as empresas de setores tradicionais, que viessem receber subsídios, que trouxessem também seus centros de pesquisa ou, pelo menos, projetos com as universidades locais.

Enfim, a tendência de políticas industriais como essas estão se espalhando pelo mundo. As cadeias globais de valor ficarão mais curtas. É bom ficarmos espertos, ainda mais quem sofre uma desindustrialização crescente como o Brasil.

– Evandro Milet – Consultor em inovação e estratégia e líder do comitê de inovação do Ibef/ES

 

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