Temos a tradição, no Maranhão, de celebrar a Independência no dia 28 de julho. A explicação é que foi nessa data, em 1823, que o Estado aderiu ao novo Império, pelas mãos de Lord Cochrane. O Maranhão queria ser fiel ao Reino de Portugal e continuar colônia. E aí, num golpe de filme de capa e espada, esse inglês veio e nos salvou obrigando-nos a ser Brasil.
Permitam-me discordar. Apesar do que Cochrane fez aqui — botou a cidade a saque — e do muito mal que disse do Brasil, dom Pedro deu-lhe o título de Marquês do Maranhão. Passei ao largo de sua lápide na Abadia de Westminster.
A História é outra, bem outra. Aqui no Maranhão, em 1821, chegou a notícia das Cortes Constitucionais Portuguesas. O Governador Capitão Bernardo Silveira da Fonseca seguiu o que parecia ser o poder estabelecido — mais ou menos o que fez D. João VI. Afinal, as notícias chegavam de Lisboa antes das reações a elas chegarem do Rio. Bernardo era bom administrador e abriu nossa primeira tipografia — para elogiá-lo, não era besta. O Padre Tezinho, um dos redatores de O Conciliador, foi eleito deputado (conto baixinho que, quando chegou lá, já tinha sido fechada a assembleia e ele voltou dando vivas ao Imperador). Em meados de novembro de 1822 chegaram as notícias da adesão de Parnaíba e da conclusão das Cortes. Houve abaixo-assinado de apoio ao Imperador — pelo menos alguém se deu ao trabalho de escrever ao jornal dizendo que não tinha assinado embaixo.
De Fortaleza veio Manuel de Sousa Martins, filho de D. Bárbara de Alencar, do Cariri, e de José Pereira Filgueiras. Foram apoiados por inúmeros maranhenses, menos organizados, mas conhecedores dos locais. Do lado do governador, funcionário militar português, veio, de Oeiras, o Fidié. As tropas se encontraram em Campo Maior, no Jenipapo. Um de meus avoengos participou dessa batalha, segundo meu avô Assuéro, e deixou na família a memória desses momentos de coragem simples, do desafio de peito aberto às armas portuguesas, da ansiedade da preparação da batalha. O português ganhou a batalha, mas ali perdeu a guerra, pois ficou sem o trem de mantimentos.
As guerras da Independência, como conta Vieira da Silva em sua História da Independência, fizeram com que, antes de São Luís, Tutóia e Itapecuru aderissem a um Brasil separado de Portugal. Não foi fácil. Mas, partindo de todo o interior, nós, maranhenses, tomamos parte nos diversos encontros que se sucederam. Em junho, em São Luís, a Junta Governativa se resolve pelo Império, mas chega guarnição portuguesa, e ela engole a adesão.
Acontece então o golpe do pirata Cochrane, que, com um simples navio e um patacho, toma a cidade e exige sua rendição. Faz, então, a adesão de 28 de julho. Mas a guerra, já perto do fim, continua. Cercado em Caxias, o Fidié se rende só no dia 31 de julho. Assim, o nosso Pirajá, de 2 de julho na Bahia, é a cidade de Caxias, 31 de julho, com a rendição de Fidié.
Por outro lado, aqui na capital, o pirata pirateou. Fez primeiro saque aos maranhenses e ao Maranhão: assumiu as propriedades dos portugueses não residentes e até a dívida dos brasileiros com os portugueses ausentes. No ano seguinte voltou com mais gosto, menos risco e mais cupidez, raspou tudo, até alianças. Exigiu resgate, saqueou a cidade e zarpou para a Inglaterra.
E nós aqui a comemorar a adesão regida por esse mercenário em vez de honrar a vitória feita pelos valentes, cearenses, piauienses e maranhenses, que enfrentaram as armas para assegurar nossa independência!
31 de julho: para mim, este é o dia, esta é a data dos fatos a serem honrados. Abaixo o feriado de 28 de julho!
— José Sarney é ex-presidente da República, ex-senador, ex-governador do Maranhão, ex-deputado, escritor da Academia Brasileia de Letras