Assim como o curso dos rios que desaguam no mar, o movimento de boa parte das forças políticas, a 60 dias das eleições, converge para quem elas acham que vai ganhar. O ex-presidente Lula vem se beneficiando dessa expectativa, sobretudo depois que Jair Bolsonaro deu um tiro de canhão no pé na reunião com os embaixadores – que, ao fim de ao cabo, foi o gatilho para o desembarque do establishment econômico-financeiro de sua candidatura.
Mas, diz o velho ensinamento, eleição não se ganha de véspera. O conjunto da obra das pesquisas da semana passada, a desistência de Luciano Bivar – ainda que o seu União não vá apoiar o petista – e a possível renúncia de Andrê Janones (Avante) reforçam o clima de vitória que cerca o ex-presidente, mas é preciso surfar essa onda para chegar à praia.
Antes de tudo, a campanha de Lula deve evitar o salto alto, que é aquele estado de espírito que leva o corpo da militância a amolecer e, sobretudo, os políticos a fazerem bobagens. A primeira delas é sempre a arrogância e o discurso do “já ganhou”, que podem dar à hipótese de haver segundo turno – no qual o petista teria também larga vantagem – um ar de derrota. É preciso cuidado na narrativa.
Outro ponto fraco é o cotovelaço entre aliados, que vislumbram a chance de chegar ao poder e competem entre si. Brigas internas, como as que se vêem hoje no Rio e no Ceará, abrem flancos para o adversário. Enquanto André Ceciliano (PT) e Alessandro Molon (PSB) brigam pelo Senado, o bolsonarista Romário vai levando vantagem.
Lula fiou numa sinuca de bico no Rio de Janeiro: se ficar na candidatura Marcelo Freixo sem a desistência de Molon, o bicho pega junto aos petistas; se correr para Rodrigo Neves (PDT) e abandonar o candidato do PSB, será comido pelo bicho da deslealdade.
Tem que encontrar uma saída que não enfraqueça seu palanque junto ao terceiro maior eleitorado do país, fundamental para abreviar o desfecho da eleição no primeiro turno. Talvez a solução seja manter o apoio ao candidato a governador e liberar Ceciliano para fazer campanha ao Senado junto com Neves, ignorando Molon.
No Ceará, onde reuniu uma multidão no último sábado, Lula tenta turbinar um recém escolhido Elmano de Freitas (PT), depois de Ciro Gomes ter rompido a aliança PT-PDT e escolhido Roberto Claudio como candidato, puxando o tapete da governadora Isolda Cela. Tenta, com isso, evitar que o bolsonarista Capitão Wagner cresça ainda mais com a divisão do campo progressista.
De saltos-altos a vida está cheia, e são muitas as armadilhas que esperam um candidato com pinta de vitorioso em cada esquina. Lula parece bem consciente de que pragmatismo e humildade para buscar acordos são ferramentas essenciais para quem está na frente. Mas precisa convencer disso os aliados que colocam projetos particulares à frente do objetivo maior de vencer num primeiro turno.