Ranieri Mazzilli, deputado pelo PSD de São Paulo, foi, durante muitos anos, presidente da Câmara. Tinha um aspecto de lutador de boxe ou barítono, com uma envergadura muito grande, e falava com certo ar de autoridade, o que lhe dava o respeito dos seus colegas e, ao mesmo tempo, condições para dirigir os trabalhos com muita competência.
Quando veio a Revolução de 64, o Presidente Castello pediu-lhe, e à sua Bancada na Câmara, que apoiassem o nome do Deputado Bilac Pinto para substituí-lo, uma vez que já ocupava o cargo há sete anos e estava pleiteando a reeleição.
Mazzilli, muito querido e prestigiado na Casa, manteve a sua candidatura, certo da vitória. Perdeu por larga margem de votos — 167 contra 200 de Bilac.
Quando fui falar com ele para cumprimentá-lo e lamentar sua derrota, embora nele não tivesse votado, porque pertencia à Bancada da UDN e era amicíssimo do Bilac Pinto, ele me disse:
— Sarney, eu tinha a promessa de 250 votos e, por isso, disputei a eleição. Apurada a urna, perdi por 33 votos. O pior é que tive somente 167 votos, mas recebi a solidariedade dos 250 deputados! E não tenho como distinguir quem me traiu: todos com a mesma cara!
Em sua última viagem como presidente da República, Juscelino Kubistchek foi a Portugal com uma grande comitiva para uma solenidade como nos velhos tempos, em que os chefes de Estado, em visitas oficiais, viajavam em seus melhores vasos de guerra, comboiados por uma esquadra de navios. Ao chegar a Lisboa, para onde viajou de avião, embarcou no cruzador brasileiro Barroso e foi recebido num grande desfile, que saiu da margem do Tejo.
O Presidente Kubitschek passou cinco dias em Portugal, onde foi alvo de grandes homenagens e fez discursos de amor à santa terrinha lusitana. Como Jango o acompanhou, seguindo para Genebra, em missão oficial, Juscelino entregou o governo a Ranieri Mazzilli.
Zezinho Bonifácio contava que, no primeiro dia, Mazzilli foi a Caconde, em São Paulo, sua terra natal. Lá desfilou em carro aberto, de faixa presidencial no peito, o povo todo da região saudando e gritando: “Presidente! Presidente! Nosso filho presidente!”
No segundo dia, o Mazzilli foi à cidade de São Paulo, onde dormiu no Palácio dos Campos Elísios: concedeu audiências e recebeu a poderosa Fiesp, Federação das Indústrias de São Paulo, e mais outras entidades representativas da potência paulista.
No terceiro dia, viajou ao Rio de Janeiro. Hospedou-se no Palácio das Laranjeiras, reservado à Presidência da República, e deu um banquete para o qual convidou toda a sociedade carioca. Visitou duas ou três obras que estavam sendo construídas no Rio de Janeiro.
No quarto dia, voou para Brasília e ali recebeu — ele, vestido de fraque, com luvas de couro —, em várias solenidades no Palácio do Planalto, as autoridades: primeiro, os cumprimentos do corpo diplomático; depois, os deputados federais e, por último, os senadores e os ministros do Supremo Tribunal Federal.
No quinto dia — dizia o Zezinho Bonifácio —, Mazzilli fez uma proclamação agradecendo a lealdade do povo brasileiro a ele durante seu período de Governo e relatando seus feitos: a inflação não tinha subido; a dívida externa, também não. Agradeceu a lealdade das Forças Armadas, do Congresso Nacional e foi dormir no Palácio da Alvorada.
O Juscelino tinha uma lancha chamada Gilda, em que levava os visitantes para ver o lago Paranoá, principalmente à noite, quando havia luar, e oferecia jantares a bordo. Algumas vezes, a maldade nossa, da UDN, dizia que essas festas não eram tão puras e protocolares como se falavam: o que havia de mais belo, nas festas nessa lancha Gilda, eram as modelos do concurso de Miss Brasil, que ele homenageava dessa maneira.
Finalizava o Zezinho Bonifácio: “O Mazzilli fez tudo o que o Juscelino fazia. Calcule que, por último, queria até levar as misses em um passeio na lancha Gilda para conhecer o Lago Paranoá.”
— José Sarney é ex-presidente da República, ex-senador, ex-governador do Maranhão, ex-deputado, escritor da Academia Brasileia de Letras