Orlando Brito está no Céu, fazendo amizade com novos e alados amigos de brancas asas. Com a simpatia e a franqueza habituais acercando-se do Criador. Tantas imagens foram feitas por ele aqui na Terra, que dificilmente será esquecido, e sua colaboração visual e artística ajudará o entendimento entre os humanos, a partir de uma visão mais elevada.
A partir dos 16 de idade Brito começou a fotografar a tudo e a todos, um processo criativo que o acompanharia por toda a existência. Partiu tendo feito mais do que o máximo possível, mas ainda insatisfeito. Nesse início de percurso, conheceu um jovem também promissor chamado Pelé. Não há comparação: são exemplos de excepcionalidade em suas atividades. Um no futebol, o outro no registro da vida através de suas câmeras. Há uma foto histórica dos dois juntos. Quase tudo na vida passou pelas lentes do Britinho, muito bem visualmente registrado.
De meados da década de 60 em diante tudo de importante, ou execrável, como a pobreza e a miséria que tanto o aborreciam e não largavam o país, tiveram o registro das lentes de Orlando Brito. Conseguiu fotografar a famosa careca de Magalhães Pinto por um único ângulo de contraste com a claridade do ambiente, destacando-lhe os mínimos fios de cabelo remanescentes brilhando na calvície.
Excelente fotógrafo, excelente repórter, extraordinária figura humana. Sempre alegre, brincalhão, cordial, solícito no estímulo aos jovens e a quem mais pudesse ajudar. O sorriso permanente, pessoa bem humorada e extremamente trabalhadora. Apaixonadíssimo pelos netos Tomás e Théo, que lhe reanimava a índole familiar.
Brito sempre foi tremendamente brincalhão, algo que vai facilitar sua convivência no ambiente celestial. Há mais de 40 anos conheci este personagem extraordinário, e tivemos longa convivência de trabalho e amizade. Muitos tiveram o privilégio e a certeza de que ele era um homem simples e correto, que nos foi levado precocemente. Sua verdadeira imagem fica eternizada.
A extraordinária carreira fotojornalística do Brito tem sido revelada por colegas e admiradores. Sério ou em brincadeiras, eu sempre o chamava de o maior fotógrafo do Brasil. Eu achar é um direito. Mas sem absolutamente qualquer desapreço a todos os profissionais do ramo em nosso país. Orlando Brito é um exemplo significativo para as gerações de fotógrafos, cinegrafistas e repórteres da imprensa brasileira.
Admirado e respeitado nos setores em que atuava na profissão, fartamente elogiado e premiado por entidades e profissionais do ramo, além de políticos que o conheceram. Nada que lhe tirasse a naturalidade. A doença o atacou traiçoeiramente, surpreendendo suas centenas de admiradores e colegas de trabalho. Cobriu Copas do Mundo, Olimpíadas, política, golpes, tragédias, tudo. Para outra reportagem fez todo o percurso percorrido por Che Guevara no interior da Bolívia, na tentativa de recomeçar a guerrilha.
Brito teve ainda várias conversas informais com o general Figueiredo, já ex-presidente, revelando detalhes desconhecidos da intimidade de seu governo e de alguns políticos. Os dois se encontravam no calçadão da praia de São Conrado, nos fins de semana, como dois cidadãos comuns, período em que Brito morou no Rio. A matéria saiu na Veja, após a morte do general.
Em junho de 1979 o governo Figueiredo havia concluído o projeto de anistia política a ser enviado ao Congresso. Na véspera, repórter e fotógrafo do Globo – o nosso Britinho – estavam no gabinete do ministro Petrônio Portela, da Justiça, com outras personalidades, acompanhando a movimentação. O ministro esqueceu a cópia do projeto na mesa e ficou nervosíssimo. Ameaçando prender todos se o documento não aparecesse.
O criativo Orlando Brito – ôpa!, como dizia ele – antes disso já tinha fotografado as páginas do cobiçado documento, colocando-as na bolsa da câmera e se mandou. Transmitiu tudo por radiofoto da época e dia seguinte o Globo publicou, com exclusividade, a íntegra do projeto da anistia, classificando-a como um furo histórico.
Sempre bem humorado o meu amigo Orlando “Britinho” Brito. Esta era uma qualidade especial que possuía. Difícil não vê-lo sorrindo. Jamais algo além do limite da educação e do respeito. Jamais o vi, também, sem uma ou duas, ou até outra, câmeras fotográficas penduradas no pescoço. Os olhos do Brito não falhavam. Um ou mais clicks e uma joia fotográfica na mão. Assim foi sua bela carreira.
Com importante detalhe: tão bem como fotografava, Brito também escrevia. Produziu vários livros com suas fotos e textos esclarecedores. Uma história do Brasil através das imagens dos últimos presidentes, da classe política e dos políticos no Congresso, quando não estava fechado pelo regime militar. Mesmo assim ia lá e fotografava, entristecido pelo que via, mais de uma vez: o autoritarismo, a ditadura.
Havia algo que o Brito não suportava mesmo. E jamais se aproximou dela. Ela quem, tão monstruosa assim? A praia. A praia, simplesmente. Brito não gostava radicalmente, e jamais foi tomar um banho de mar na sua longa existência. As infindáveis praias do Brasil jamais sentiram os pés do Brito em suas areias brancas. Jamais, garantia ele! E dizia conhecer outras pessoas com a mesma estranha fobia.
A praia, curiosamente, lhe proporcionou um dos maiores furos de sua vitoriosa vida de repórter-fotográfico. Entre vários outros fotógrafos presentes que assistiram a cena Orlando Brito foi o único a fotografar o então presidente Geisel e assessores tomando banho de mar, as 6 da manhã, numa praia de Natal (RN). De short e descalço, claro. Os outros fotógrafos não se atreveram a registrar o general-presidente em sua inusitada caminhada na praia, com receio da censura. Brito não teve medo de nada, e sim amor pela sua profissão.
E nem precisou entrar na praia, da qual tinha horror. Fotografou o presidente Geisel da janela do apartamento do hotel onde estava hospedado, com tranquilidade e precisão. Britinho fez várias fotos do general Geisel e seus colegas de aventura na praia. Dia seguinte O Globo, onde o Brito trabalhava na época, foi o único jornal a publicar as fotos do general-presidente na praia. Consta que Geisel gostou.
Orlando Brito está agora num pedaço do céu já entrosado com todos que com ele simpatizaram. Deu-se bem com o Criador e, como já havia imaginado antes, puxou uma de suas câmeras e começou a fotografar o bom Deus, Nosso Senhor. Mas o que estaria ele fazendo? Trocando a lente, Britinho percebeu que o Bom Deus estava realmente ocupado,
Com algo similar a uma marreta, Brito percebeu que Deus estava com uma gigantesca pedra ao seu lado, com algumas inscrições. Logo conseguiu ver direito e fotografou com vontade. Era a pedra contendo os Dez Mandamentos. Ôpa!, como diria ele.
Brito fotografou várias vezes e entendeu a mensagem divina. Considerou uma maravilha. Só poderia ser assim, observou emocionado e cheio de nova vida. Mas não dispunha de mais nenhum jornal ou revista para enviar. Produziu o possível de cópias e soltou pelo espaço cósmico mais um mandamento que vira Deus gravar:
– Jamais permitir o ódio entre os seres humanos.
Meu grande amigo Brito carregou seu sentimento de justiça e alegria para o céu azul e vasto. Um dia pode baixar na Terra, imaginou.
Um vez perguntei-lhe se ele passava algum tempo de seus dias sem estar munido de uma de suas inseparáveis câmeras fotográficas.
– Até para pegar uma correspondência na portaria do meu prédio eu vou com minha câmera a tiracolo – respondeu-me.
Brito morava no quinto andar.
José Fonseca Filho é jornalista e amigo do Britinho