Advogados, sociólogos, acadêmicos, jornalistas especializados e simples curiosos, se dedicam à tarefa de desenhar o modelo do novo sindicalismo. O que temos ainda hoje é resultado de mudanças superficiais da estrutura implantada por Getúlio Vargas a partir do Decreto nº 19.770, de 1931, modificado pelo Decreto nº 24.694, de 1934 e revogado pelo Decreto nº 1.402, de 1939, incorporado à CLT, de 1943.
Ainda que alguns procurem esconder, Getúlio se inspirou na Carta Del Lavoro do ditador italiano Benito Mussolini, aprovada em abril de 1927. Basta comparar o Artigo III do documento fascista com o Art.138, da Carta Constitucional de 10/11/1937, para que as dúvidas desapareçam. A Organização Sindical corporativo-fascista, levada ao Título V da
CLT, prevaleceu sobre as Constituições de 1946 e de 1967 (Emenda nº 1/1969), e sobrevive no Art. 8º da Constituição de 5/10/1988, por obra e graça das confederações e federações patronais e profissionais, presentes aos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988).
A Reforma Trabalhista de 2017 desfechou golpe mortífero na estrutura vigente há mais de 70 anos. Transformou em voluntária a Contribuição Sindical obrigatória, da qual dependiam milhares de entidades.
Súmulas de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho já haviam atingido duramente uma das fontes de receita, sobretudo das entidades de primeiro grau, quando desobrigaram não associados de arcarem com o pagamento da taxa assistencial e outras do mesmo gênero.
A debilidade da estrutura sindical arcaica resulta da crescente automatização e robotização de atividades administrativas, industriais, financeiras, comerciais. Os primeiros robôs, importados por indústrias automotivas chegaram a São Bernardo e São Caetano na década de 1970. Inicialmente usados em caráter experimental nos serviços insalubres de solda
e pintura, rapidamente ganharam espaço nas linhas de montagem, para substituir milhares de operários. Situação semelhante já se verificava na agroindústria, onde o trabalhador volante, conhecido como “boia-fria”, era desalojado pela utilização de tratores, máquinas plantadoras, cultivadoras e colheitadeiras.
Há muitos anos pensadores norte-americanos e europeus se deram conta das mudanças. Desde a década de 1970 publicam-se livros que tratam do desaparecimento do emprego nas economias desenvolvidas e em vias de desenvolvimento. O cobrador de ônibus sumiu substituído pelo cartão eletrônico carregado em casas lotéricas, vigilantes e porteiros deram lugar às portarias eletrônicas. Dentro de algum tempo veremos drones procedendo à entrega domiciliar de encomendas.
A Constituição utópica de 1988 introduziu no artigo 7º o inciso
XXVII, com o objetivo de assegurar aos assalariados “proteção em face da
automação na forma da lei”. O dispositivo permanece à espera de
regulamentação que não virá, porque supõe ser possível e inteligente impedir a
marcha do progresso.
As universidades e as academias devem entender que sindicatos não surgem por geração espontânea, tampouco resultam de elucubrações cerebrinas. Nascem da necessidade. Assim aconteceu na Inglaterra, na Alemanha, na França, na Itália, com a primeira Revolução Industrial, como ensinam os historiadores. No Brasil, o aparecimento do movimento sindical não se deu de forma diferente. Na primeira metade do século passado, doutrinado por imigrantes anarquistas, anarco-sindicalistas, socialistas, comunistas, o proletariado conheceu nas organizações sindicais os instrumentos aptos a defendê-los contra brutal exploração do capitalismo em fase de gestação. Procurem conhecer o livro de Carta Del Lavoro, História das Lutas Sociais no Brasil, e as obras de Edgard Carone sobre o movimento operário.
Combativos sindicalista que conheci na década de 1960, antes do golpe de 31 de março, não eram acadêmicos ou literatos. Haviam lido o Manifesto do Partido Comunista e mais alguma coisa do gênero. Hércules
Corrêa, Dante Pellacani, Luís Tenório de Lima, Antônio Chamorro, Afonso
Dellelis, Adelson de Almeida, foram operários práticos, objetivos, destemidos. Com simples telefonema paralisavam fábricas em campanhas por melhores salários.
A reconstrução do movimento sindical exige novas lideranças e recursos financeiros para custeá-lo, voluntariamente proporcionados pelos
associados. É impossível a restauração do Imposto Sindical num passe de mágica, ou com simples revogação da Lei nº 13.467/2017, como parece prometer Luís Inácio Lula da Silva em jogada eleitoral.
O erro histórico consistiu na tentativa de fazer do assalariado contribuinte compulsório para entidades sindicais que, com o tempo, se revelaram incapazes de entender e acompanhar a marcha do progresso. A legisladores, professores, doutores e acadêmicos, apresento a sugestão de deixarem a questão sindical por conta das classes trabalhadoras.
— Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho