O Judiciário decide pela razão ou pela emoção?

O zigue-zague das sentenças do Judiciário brasiliano, STF à frente, provoca grave insegurança jurídica. A Lava-Jato, cujo desfecho pode ser o de condenar os investigadores e absolver os acusados, é um exemplo deste quadro

O Judiciário e o Legislativo do Brasil - Foto: Orlando Brito

Desde que o homem começou a escrever e fazer leis, sábios e experientes logo perceberam que algumas pegavam e outras não. No Brasil, temos milhares de leis
que não pegaram. Constituição de 1934, conhecida como A BREVE, durou apenas 3 anos, substituída em 1937 pelo golpe de Getúlio Vargas que impôs nova constituição
chamada de Polaca, pela inspiração do então autoritarismo polonês.

Jurista alemão Friedrich Carl Von Savigny

Foi o jurista alemão Friedrich Carl Von Savigny – um dos criadores da pessoa jurídica – que melhor explicou a criação das leis ao ensinar que elas são o resultado “lento e imperceptível, um processo semelhante ao da formação das línguas. A lei teria sua origem no espírito do povo e se expressaria espontaneamente por meio dos costumes; somente depois disso passaria a dirigir as decisões formais dos juízes, mas por serem as leis obras humanas nem sempre elas retratam o direito que as fundamenta. Ou seja, o direito existe antes da lei ser criada, mas por ser a lei uma obra humana, nem sempre é perfeita, então o juiz, que a interpreta, sempre terá um instrumento de poder nas mãos”.

Nesta incipiente redemocratização de 3 décadas, a chamada Constituição Cidadã atribuiu ao Poder Judiciário ser o Guardião da Constituição, mas já no seu artigo 2º ressaltou: SÃO PODERES DA UNIÃO, INDEPENDENTES E HARMÔICOS ENTRE SI, O LEGISLATIVO, O EXECUTIVO E O JUDICIÁRIO.

Estátua da Justiça em frente ao Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional ao fundo – Foto: Orlando Brito

Infelizmente esta harmonia deixou de existir e vemos que enquanto o Legislativo se omite de suas funções, o Judiciário extrapola a sua competência legislando, e até intrometendo-se no Executivo, ao ponto de dizer como a policia deve equipar suas viaturas e fardamento de seus soldados.

Antes de falar do nosso judiciário, vejamos como nosso vizinho Peru está tratando o caso de corrupção da Odebrecht e os resultados que vem obtendo pelo seu Judiciário.

Quatro ex-presidentes do país são investigados por relações com a Odebrecht. Nesta quarta, Alan García se matou para não voltar à cadeia. [Carolina Riveira, Publicado em 17/04/2019, Alterado em: 21/02/2020, Revista Exame]

Ex-presidente do Peru, Alan García

“Não um, nem dois, mas quatro: essa é a quantidade de ex-presidentes do Peru que são investigados por relações com a empreiteira brasileira Odebrecht. Nesta quarta-feira, a América do Sul amanheceu estarrecida com a notícia de que um deles, o ex-presidente Alan García, havia dado um tiro na própria cabeça após receber ordem de prisão da polícia peruana. Ele chegou a ser socorrido, mas não resistiu e teve o falecimento confirmado pouco tempo depois”.

O Peru, tal qual o Brasil, tem uma força-tarefa destinada a investigar as acusações da “Lava-Jato peruana”. A Odebrecht admitiu ter pago propinas em pelo menos 12 países, e, além do Brasil, o Peru é o que está com as investigações mais avançadas, e os peruanos vêm trabalhando em conjunto com os brasileiros nas investigações. Já são mais de 20 operações, que se intensificaram no ano passado.

Estima-se que o custo do superfaturamento das obras ligadas à Odebrecht tenha chegado a 3 bilhões de dólares. Com o acordo de colaboração, a Odebrecht se comprometeu a pagar 230 milhões de dólares à Justiça peruana e oferecer mais informações.

Fachada da construtora Odebrecht em São Paulo – Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil

Tantos capítulos da Lava-Jato peruana podem até mesmo fazer frente às operações brasileiras, que tomam o noticiário do país há cinco anos. Mas, embora o Brasil seja o berço da Odebrecht e da Lava-Jato, há “apenas” dois ex- presidentes que já foram presos ou indiciados por aqui: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-presidente Michel Temer, além de outros políticos de alto escalão.

Citemos apenas duas decisões do nosso STF, Guardião da Constituição, tratando do mesmo assunto que tiveram decisões diametralmente opostas.

A primeira foi o Habeas Corpus 137.316, Segunda Turma do STF, em 17/11/2017, que não aceitou a tese de alteração da apresentação das alegações finais no caso de haver delação premiada. Foi na 3ª Vara Criminal da Comarca de Londrina, julgamento da “operação Pelicano”, em que fiscais e auditores da Receita foram denunciados por corrupção. Os corréus não delatores tentaram a anulação do processo visando alterar a ordem de apresentação das alegações finais, mas não obtiveram a anulação do processo.

Ex-ministro Antonio Palocci estava preso em Curitiba desde setembro de 2016 – Foto: Reprodução/Internet

Já em 2020, três anos depois, no caso da delação premiada do ex-ministro ANTONIO PALOCCI, Habeas Corpus 166.373, deu-se uma reviravolta jurisprudencial no STF acatando-se a alegação e decretando a nulidade processual.

Vale lembrar que “a delação do ex-ministro Antônio Palocci (Fazenda e Casa Civil / Governos Lula e Dilma) aponta uma sucessão de ilícitos e propinas, que chegam a R$ 333,59 milhões, supostamente arrecadadas e repassadas por empresas, bancos e indústrias a políticos e partidos nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Ele fala em “organização criminosa” do partido e aponta situações relativas a um período de pelo menos 12 anos (2002-2014). [Estadão Conteúdo em 15/08/2019].

Para melhor compreensão desta reviravolta tão rápida na suprema corte e suas consequências, a Revista de Direito A&C – ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL, setembro de 2021, dirigida pelo Professor Romeu Felipe Bacelar Filho, publica um consistente estudo dos mestres Henrique Ribeiro Cardoso e Antônio Wellington Brito Junior, intitulado RISCOS DA DISCRICIONARIDADE NA JUSRISDICÇÃO CONSTITUCIONAL: UM ESTUDO A PARTIR DA ORDEM DE APRESENTAÇÃO DE ALEGAÇÕES FINAIS EM SITUAÇÃO DE RÉU DELATOR, quando os professores juristas explicam: “O presente estudo analisará as limitações ao poder discricionário dos juízes quando exercem a jurisdição constitucional, mormente a partir do julgamento do Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus 166.373. O objetivo é demonstrar, a partir do precedente paradigmático, que o ativismo judicial desmedido repercute na harmonia entre os poderes e alça as cortes constitucionais como entidades teoricamente mais relevantes da sociedade, em descaso às prerrogativas dos demais poderes republicanos, gerando uma tensão institucional sem precedentes”.

Ministros do STF Marco Aurélio e Luiz Fux – Foto: Orlando Brito

Como público e notório, até pela transmissão televisiva deste rumoroso julgamento – um dos aríetes desconstrutivos da Operação Lava-jato -, o Relator Edson Fachin negou provimento ao habeas corpus, argumentando ”nenhum ato será declarado nulo, se da
nulidade não resultar prejuízo”, sendo acompanhado pelo Ministro Luiz Fux que aduziu ”o reconhecimento de nulidade, após todo o desenrolar de uma causa que tramitou por anos nas instâncias ordinárias até chegar ao STF, expressa nítida ofensa ao principio da segurança jurídica em contrariedade ao artigo 20 da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro”, e também pelo Ministro Marco Aurélio, que rememorou “não incumbia ao STF o direito de legislar, mormente em razão da enunciação constitucional dos limites que chancelam a independência e harmonia entre os poderes republicanos” concluindo que “o devido processo legal é observável dentro dos limites da lei, não se oportunizando ao Judiciário optar por um caminho inovador destinado a ruir toda a marcha alvissareira do enfrentamento à delinquência do colarinho branco”.

Ministro do STF Alexandre de Moraes – Foto: Orlando Brito

A divergência vitoriosa levantada pelo Ministro Alexandre de Moraes sustentou serem opostos os interesses dos réus delatores com os delatados citando exemplos colhidos de
julgamentos supostamente similares ocorridos noutras nações perante tribunais internacionais, mas esquecidos os exemplos vizinhos dos peruanos.

Os Professores da A&C sustentam que pela mera via interpretativa de situações abstratas que a anulação do processo “é prejudicial à democracia, à segurança jurídica e à higidez do erário”. Colocam ainda que: “a crescente discricionariedade judicial na inobservância das regras processuais vigentes e de precedentes já firmados pela própria Corte Suprema, para além de provocar insegurança jurídica, promove a impunidade e malfere as finanças públicas”.

Didática e juridicamente fazem uma advertência: ”ao assim proceder, a dinâmica das relações entre os poderes se sensibiliza, ao ponto de se questionar se ao Judiciário, cujos membros não são escolhidos diretamente pelo povo, incumbe se arvorar no papel de definidor de políticas públicas não deliberadas pelos outros poderes”.

Mais que evidente que não se exige que a jurisprudência permaneça indefinidamente imutável e intacta, mas também que não se modifique “segundo a oscilação dos ventos (políticos) num simples ato de vontade, tão volátil como costuma ser o temperamento dos homens passionais, às vezes guiando-se por razões inconfessáveis”.

Luiz Inácio Lula da Silva e Sergio Moro são pré-candidatos à Presidência da República

Deu no que deu. Lula virou candidato e Moro, que foi condecorado no exterior como combatente da corrupção, passou a ser investigado.

Quando se afirmar no exterior que não temos segurança jurídica, que o Brasil não é um país sério, fica difícil dizer o contrário. Ficará verdadeiramente impossível desmentir esta pecha infamante, se os bilhões devolvidos espontaneamente pelos corruptos ou recuperados com auxílio e colaboração de outros países pelos acordos internacionais de combate ao crime organizado, ainda venham ser devolvidos aos criminosos do colarinho branco, como já se comenta.

Não há como esconder que o PT declarou gastos de 2,55 milhões de reais na defesa do ex-presidente Lula na prestação de contas apresentada ao TSE; que só numa banca trabalhavam mais de vinte advogados caríssimos, tantos advogados que chegaram a apresentar mais de 400 recursos apenas no caso do Tríplex do Guarujá. [https://veja.abril.com.br/politica/pt-declara-gastos-de-r-25-milhoes-na-defesa-do-ex-presidente-lula/]

O ano de 2021 ficará marcado como aquele em que réus célebres da Lava-Jato, por tabela, colheram os frutos das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), que mudando inopinadamente a jurisprudência que levava à cadeia políticos, empresários, doleiros ou operados do tráfico que podem pagar milhões aos advogados. O episódio mais ilustrativo da onda “garantista” foi a anulação das condenações e investigações contra o ex-presidente Lula. [https://www.gazetadopovo.com.br/republica/lula-abriu-a-porteira-e-politicos-investigados-pela-lava-jato-se-deram-bem-no-stf-em-2021].

Toda a mudança de jurisprudência, sem alteração das leis, como da prisão em segunda instância para tirar Lula da cadeia, seria conseguida pela RAZÃO ou pela EMOÇÃO dos magistrados?

Temos que fazer a comparação, como no Peru governantes corruptos são punidos e no Brasil voltam novamente a serem candidatos?

Somente a autoridade moral de um jurista como Modesto Carvalhosa pode definir que O STF é uma instituição marginal odiada pelo Brasil. [youtu.be/N9VujZdhHvs].

O traficante André do Rap deixa a penitenciária de segurança máxima de Presidente Venceslau, no interior de São Paulo, cumprimentado pelo seu advogado – Foto: Reprodução TV Band

Qual a razão que tirou da prisão o megatraficante André do Rap, condenado a mais de 20 anos, que já estava com avião pronto para evadir-se do país com uma simples liminar? Onde andará André do Rap, gastando os milhões do tráfico? [https://extra.globo.com/casos-de-policia/traficante-andre-do-rap-solto-em-sp-apos-habeas-corpus-do-stf].

Não adiantou, no dia seguinte, o STF decretar novamente a prisão do traficante. Isso é ou não é insegurança jurídica?

Que estas polêmicas e teratológicas questões não sejam motivo e argumentos para incentivar a loucura dos aloprados que querem invadir o STF trazendo de volta o arbítrio das Forças Armadas com um novo regime militar.

Não.

Sustentei, sustento e sustentarei, como ex-constituinte, a via pacífica, racional e civilizada da CONSTITUINTE EXCLUSVIA, para solidificarmos nossa jovem democracia com uma nova constituição.

Precisamos com urgência de novo pacto político para estabelecer novas regras de disputa do poder que emana do povo, mas também indispensável uma nova forma de composição dos nossos tribunais, eliminando a interferência política na indicação dos seus membros.

Novas regras do jogo democrático, escritas, não por parlamentares comprometidos com o establishment deste sistema viciado e vicioso, mas de homens e mulheres experientes pelo conhecimento e ficha limpa que possuírem e exclusivamente escolhidos para redigirem a nova constituição.

Membros dos Tribunais não podem ficar sujeitos a prestarem contas aos seus padrinhos políticos ou sofrerem constrangimentos por suas decisões emocionais ou exigidas pelas paixões do engajamento partidário de determinado momento.

* Nilso Romeu Sguarezi é advogado. Foi deputado federal constituinte de 1988 

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