Zé Bonifácio — Zezinho, entre os seus colegas de Parlamento, José Bonifácio Lafayette de Andrada —, que foi signatário do Manifesto dos Mineiros e presidente da Câmara dos Deputados, era tido como homem de muito bom humor que gostava de contar pilhérias e, não raro, fazia graça com seus colegas. Mas a mim sempre tratou muito bem e com grande amizade.
Era um político muito esperto, de tal modo que, depois de 1945, transitava entre os grupos dos dois líderes que comandavam a UDN mineira, Magalhães Pinto e Milton Campos, conseguindo não se envolver com nenhum dos lados, o que lhe acarretava vantagens e desvantagens. Uma delas é que nenhum deputado mineiro lhe emprestava solidariedade quando ele precisava, uma vez que não se sabia a que lado ele pertencia.
O ramo mineiro dos Andrada vem de seu tetravô Martim Francisco Ribeiro de Andrada, casado com dona Gabriela Frederica, filha de seu irmão José Bonifácio, o Patriarca. Deles descenderam José Bonifácio, o Moço, o grande orador do 2o Império, e seu tio Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, presidente de Minas Gerais e da Constituinte de 34.
Após concluir seus estudos, Zezinho foi nomeado por Antônio Carlos para trabalhar com o secretário de Segurança, José Francisco Bias Fortes. Pouco depois os dois estavam casados com duas irmãs, dona Vera e dona Francisca, filhas do engenheiro Simão Gustavo Tamm.
Concorrentes e aliados em Barbacena, de onde ambos eram originários, se distanciaram com a Revolução de 30: Zé Bonifácio foi nomeado prefeito da cidade. A tradição era que os Bias Fortes tivessem o poder local, e os Andrada, o estadual e o federal. Seu cunhado não gostou, não compareceu à posse e tornou-se oposição violenta. Olegário Maciel e Arthur Bernardes tentaram um acordo: o Zezinho continuaria prefeito e o Bias Fortes receberia o título de chefe político de Barbacena. Não deu certo.
Em 1945, com a formação dos novos partidos, o Bias Fortes tornou-se chefe da máquina pessedista (PSD) e o Zezinho ficou com a UDN, consagrando o antagonismo.
Quando Bias Fortes visitava sua cunhada, Zezinho nunca estava presente em casa: ele arranjava sempre uma desculpa para não se encontrar com o Bias.
Essa luta continuou por muitos anos: quando eu era deputado federal, ainda encontrei o filho do Bias, o Biazinho, e o Zé Bonifácio na Câmara dos Deputados. Sem ser mineiro, consegui ser amigo dos dois, pendendo um pouco para os Andradas, que eram do meu partido.
Muitas histórias contavam-se do Zezinho e de seus discursos irônicos.
Quando Getúlio suicidou-se, houve um clima de grande consternação na Câmara dos Deputados. Zé Bonifácio pediu a palavra, foi à tribuna e começou seu discurso assim:
— PTB! PTB! O que fizestes de vosso chefe? Abandonaste-o na hora mais difícil! E ele morreu só!
O Lúcio Bittencourt, que era deputado por Minas Gerais, aparteou-o:
— Não faça isto! Respeite este momento: nós estamos solidários com o presidente.
O Zezinho, bom Parlamentar, perguntou:
— Onde o senhor estava?
O Lúcio Bittencourt respondeu-lhe:
— Em Minas.
Aí o Zezinho retrucou:
— Vejam: estava em Minas enquanto o presidente estava aqui às vésperas de colocar uma bala no coração! E como soube da morte do Getúlio?
Lúcio Bittencourt respondeu-lhe:
— Pelo rádio.
Foi um vexame tremendo, e o Zezinho conseguiu o que queria.
— José Sarney, ex-presidente da República, ex-senador, ex-governador do Maranhão, ex-deputado. Escritor. Imortal da Academia Brasileira de Letras