O Cristo no nosso Corcovado e o Empire State Building, em Nova York, são exemplos clássicos de que os raios podem cair muitas vezes nos mesmos lugares, apesar de mitos seculares de que, na segunda queda, eles desviam a mira para outros alvos. Por atrações naturais ou não, os raios seguem seu curso sempre acompanhados por relâmpagos e saudados pelo batidão no solo dos trovões. Os para-raios e outras intervenções humanas costumam afetar esse percurso.
Na política, em especial nas eleições, o mito de que os raios não caem no mesmo lugar alimenta as mais variadas hipóteses, como se a escolha por eleitores fosse um fenômeno da natureza. Na roleta da vida, às vezes até se confundem. Nas democracias em que o voto de cada de eleitor é realmente computado — como o é rigorosamente pelas urnas eletrônicas no Brasil — sempre prevalece o sentimento da maioria de quem votou após as campanhas eleitorais. Goste-se ou não.
Nessa pré-campanha eleitoral em que os políticos enchem linguiça enquanto a população sofre com enchentes, secas, carestia e uma nova explosão da pandemia do coronavírus, articular, analisar, avaliar e especular sobre a eleição presidencial é como fantasiar dentro de uma bolha deslocada do mundo real.
Mas mesmo nesse mundinho o que mais parece real nesse começo de ano eleitoral é o desespero de Bolsonaro. Em 2018, ele surfou numa onda perfeita — encarnou o antipetismo para uma população enojada com as revelações pela Lava Jato da bilionária corrupção nos governos petistas com o envolvimento de todas as principais forças políticas, inclusive dos tucanos. Escapou dos debates após sofrer atentado por um maluco que até hoje prejudica sua saúde, mas foi um trunfo eleitoral há 4 anos.
O antipetismo não acabou. Mas tudo indica que o vendaval nas eleições de 2022 vai ser o antibolsonarismo. Pela inacreditável penca de crimes e de má gestão, que no conjunto configuram o pior governo da história, Bolsonaro perdeu toda e qualquer credencial para enfrentar Lula ou qualquer outro candidato no segundo turno. Por sua rejeição, se ele tiver um mínimo de chance de chegar na rodada final, dá de bandeja a vitória para Lula no primeiro turno.
Quem tem algum tirocínio nas hostes bolsonaristas sabe disso. As tacanhas tentativas de Carlos Bolsonaro, o 02, de reviver momentos de 2018 soam como ridículas, inclusive entre devotos chateados por terem sido enganados por um mito vigarista. O clã sabe disso. Jair Bolsonaro insistiu em seguir nas férias com mordomias presidenciais, mesmo com as tragédias causadas pelas chuvas na Bahia e em outros estados, como uma despedida do bem bom.
Se ele deixou de ser uma alternativa viável ao petismo, que cacife eleitoral lhe restou? Essa é uma indagação que vem sendo feita entre uma parcela de seus apoiares, inclusive na área militar. Ali se avalia que Bolsonaro não tem plano B para as eleições presidenciais. O que se constata é seu receio de, ao perder o poder, ter que pagar junto com seu clã por todos os malfeitos de antes e durante seu mandato. Até porque nenhum outro candidato presidencial parece querer seu apoio. Muito pelo contrário. O ex-ministro Sérgio Moro e o governador Joao Doria puxam o coro dos arrependidos.
Bolsonaro entrega as alianças e os dedos para o Centrão na expectativa de alguma retribuição. Toda a máquina pública e recursos da União serão usados para cimentar essa relação. Se mesmo assim não colar, Bolsonaro vai chupar o próprio dedo. Como em outras tentativas de blindagem com seu apoio, o Centrão vai deixá-lo na mão. Nesses casos, os raios são certeiros.
Pra se manter vivo nessa roda viva, Bolsonaro se dedica a acenos para seus devotos, convocados para batalhas em que foram abandonados e pelejaram contra o vento. Nos últimos dias, Bolsonaro ressuscitou a lenga lenga contra o Supremo Tribunal Federal, que alimentou a ilusão de sua milícia de que seria fechado após as manifestações de 7 de setembro do ano passado. Voltou a atacar os ministros do STF Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.
— Quem é que esses dois pensam que são? Quem eles pensam que são? Vão tomar medidas drásticas dessa forma, ameaçando, cassando liberdades democráticas nossas, a liberdade de expressão. Porque eles não querem assim, porque eles têm candidato. Os dois, nós sabemos, são defensores do Lula.
É reprise de filme ruim. Não dá mais bilheteria.
A conferir.