Eu nunca quis entender o meu zoológico de amigos e colegas juristas do Movimento Direito Alternativo (MDA), hoje moribundo. Nele habitavam e habitam tucanos, bichos-preguiça, tamanduás, tatus, pacas, serpentes, porcos-espinhos, hienas, mas também veados, garças e pavões. Eis o ambiente no qual a seletiva luta por reprodução comporta à sua maneira ornitorríntica, sístoles e diástoles, diásporas e anátemas.
Nesse chão histórico eu vou brigando comigo mesmo, evidente, afinal, minha geração não somente foi derrotada. Deu uma ajudazinha nada desprezível e, pior, continua posando de vanguarda. O tempo de certezas absolutas não me aproveita, por certo. Azar meu não ser crente. Difícil um retorno possível a um tempo menos convulso.
Talvez eu finja, com maior dificuldade que meus amigos, sonhar a mesma sociabilidade d’outrora. Desafio hercúleo e tarefa impossível? Não. Afinal, a rica diversidade parece exigir o exercício da divergência e na tolerância. Sobretudo a permanência do indivíduo. Um resquício da educação cristã, por certo.
Os iguais ou assemelhados se aglutinam ou se toleram sob certas delimitações territoriais. A sobrevivência difere nas afinidades eletivas, do gozo na crença de estar do lado bom da história a um leque de identidades racionalizadas em nome de ideologias grandiloquentes e confrarias de impactos mais imediatos. São mecanismos conhecidos de autodefesa, acirrados no paroxismo das inseguranças.
Fico com dois exemplos mais evidentes do que não entendo em boa parte do meu zoológico fraterno, mas busco compreender, por mim mesmo, sem a ajuda de quaisquer dos observados. Antes, uma nota intempestiva.
A análise é projeto singular. Parte do indivíduo e foge dos juízes do mundo. Fora do divã a pergunta do título (me ajuda?) é armadilhosa. Pressupõe um observador analisado, pleno, catapultado (sabe lá Deus como e por quem) ao alto dos mirantes – intelectual, político e moral, apto a exercer, com benevolência suprema e virtudes superiores o ato de entender ou instigar discernimento no Outro. Vale dizer, a quase exclusiva missão de entender um ser que não se faz entender perante dada tribo ou aldeias pressupostamente próximas ou vizinhas.
1•) O garantismo duplamente tardio dos liberais periféricos no qual desconectam-se interesses e formas jurídicas.
2°)A insistente retórica do progresso dissociada na recorrente adesão acrítica ao populismo lulopetista.
O garantismo jurídico (e político) nos permitiu ensaiar a construção imaginária de uma sociabilidade outra que não a escravista, embora sob os tapetes históricos diferenciadamente rotos, agora evidenciados nas desilusões diretamente proporcionais às ilusões reproduzida pelos leguleios tupiniquins. Da subsunção da ordem social à ordem jurídica e vice-versa. Deu no que deu.
Sustos e surtos com a dissolução progressiva da ordem liberal-constitucional sob o estado do direito da direita, sem a menor consideração com algo “natural”: o Capital e o capitalismo, já não somente consolidados há dois séculos, mas hoje em progressiva rejeição mundial diante do mercado canibalizado financeiramente.
Outro limite meu no entender dos meus amigos, colegas, ou ex-amigos e ex-colegas (pois que as polarizações, reais ou fictícias produziram em alguns deles distanciamento, desprezo, ódio) refere-se a uma curiosa e oportunista aproximação entre liberais e esquerda tradicionais em face do caráter pressuposto e “inequívoco” fascista (e genocida) do governo Bolsonaro.
Uma aproximação alicerçada em pés de barro. Os das culturas liberal e socialista desatualizadas, desprovidas de autocríticas sobre as dissociações entre usuários e práticas daqueles protagonistas com consequentes distorções na luta social.
Não chegamos ao vazio da política e à descrença em políticos, instituições e ideias sem a participação repetida de posturas em nome da liberdade e da igualdade, negando-as e traindo-as, por ingenuidade ou covardia. Ultraconservadores no poder é uma coisa. Outra coisa é o avanço da extrema direita quase sem oposição com movimentos sociais fortes, dissolvidos pelas mãos dadas da direita e da esquerda tradicionalistas.
Ter alguma consciência dessa fragmentação que a nos estilhaça parece aconselhável para uma reinvenção de alternativas. Então: ajudem-me!