Dizem que a memória é seletiva. Retém os bons acontecimentos e procura fazer esquecer os maus momentos da vida. Se for verdade – e acredito que seja -, 2019, 2020 e 2021 logo estarão perdidos nas profundezas do passado.
Dada a quantidade, é impossível alinhavar tudo quanto de ruim aconteceu nos últimos anos. Desemprego, desindustrialização, inflação, elevação do custo de vida, empobrecimento da classe média, aumento dos miseráveis, incêndios no Pantanal e Amazônia, descaso ao meio ambiente, orçamento secreto, negacionismo do presidente Jair Bolsonaro, ministros Eduardo Pazuello, Ricardo Salles, Paulo Guedes, Marcelo Queiroga, ressurreição do militarismo, populismo demagógico, corrupção, gabinete do ódio, impunidade, PEC do Calote, mais de 600 mil mortos e milhões de infectados pela pandemia.
Houve coisas boas como a dedicação de pesquisadores e infectologistas para a produção de vacinas contra o coronavírus, o heroísmo de médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e motoristas do SUS, a candidatura de Simone Tebet à presidência da República, o incansável empenho de diretores e funcionários do Instituto Butantã e da Fundação Fiocruz, o comportamento da população obediente às regras de prevenção dos profissionais da área da saúde.
Revelados os nomes de possíveis candidatos à presidência da República, é natural que os eleitores se esforcem para conhecê-los e procurem saber quais são os correspondentes planos de governo. Apenas um ocupará a cadeira presidencial, com a árdua missão de resgatar o Brasil da crise.
Jair Bolsonaro, Luís Inácio Lula da Silva e Ciro Gomes dispensam apresentação. São velhos conhecidos. João Dória tem a visibilidade que lhe confere ser governador de São Paulo e ex-prefeito da Capital. Sérgio Moro viveu amargas experiências de juiz da Lava Jato e de ministro da Justiça do capitão paraquedista. Abandonou promissora carreira na magistratura federal, para se aventurar pelo pantanoso terreno da política. Alessandro Vieira, Luiz Felipe D’Ávila e Rodrigo Pacheco encontram dificuldades para se fazerem conhecer e popularizar. Continuam estacionados próximos de zero nas pesquisas de opinião. A senadora Simone Tebet é a saudável novidade em ambiente machista.
Tudo indica que a campanha se desenvolverá em torno de assuntos repisados desde o governo do presidente Sarney: recuperação da economia, geração de empregos, redução das desigualdades que nos fazem o País mais injusto do mundo, melhoria das condições de saúde, educação e segurança, modernização e expansão da infraestrutura.
Creio, porém, que 3 temas deverão ser discutidos com prioridade absoluta: 1) convocação de Assembleia Nacional Constituinte exclusiva, com prazo curto e determinado para aprovar projeto enxuto de Constituição; 2) combate à corrupção; 3) fim da impunidade.
Para eficaz combate à corrupção e à impunidade se fazem mister reformas constitucionais destinadas a aumentar as penas, torná-las efetivas e imprescritíveis os crimes de homicídio, feminicídio, infanticídio, latrocínio, tortura, sequestro, desvio de dinheiro público, corrupção, estelionato.
Ao condenar réu por crime como esses, o juiz singular expedirá imediata ordem de prisão. O condenado não deixará o foro pela porta da frente, zombando da Justiça, da vítima e da sociedade. Em casos excepcionais, previstos na legislação processual penal, permitir-se-á que o réu recorra em liberdade. A decisão condenatória, confirmada em segundo grau, será definitiva, sem possibilidade de recurso ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal.
Dois dos principais entraves à retomada do crescimento de maneira sustentável, com investimentos internos e externos, consiste na insegurança gerada pelos altos índices de criminalidade e de impunidade. A Constituição de 1988 instituiu novos graus de jurisdição. Criou o recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça, alargou as possibilidades de o réu ingressar com recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal e exigiu o trânsito em julgado de decisão condenatória. A regra do Art. 5º, inciso LVII, segundo a qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença condenatória” é benéfica ao criminoso, mas nociva à sociedade.
Enquanto persistirem o ambiente de corrupção, de criminalidade desenfreada, e o tráfico impune de entorpecentes, será difícil convencer alguém a investir e gerar empregos no Brasil. Segurança jurídica, produto de boa legislação e de bons juízes, é essencial à vida em sociedade.
Aos leitores, Feliz Ano Novo.
— Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho