Sandra Starling

Encômios em prosa rasa para uma amiga mineira e seu consorte. De um escrevinhador e amigo de ambos

Sandra Starling

Foi-se Sandra Starling. Sua vida pública é conhecida. Foi deputada federal e militante das melhores causas humanas – com fervor sincero e desusada autocrítica. Deixou a política partidária por divergências pelo modo como os partidos e seus proprietários a conduziam. Mas nunca abandonou a política pura, exercida por altruísmo. Tanto que tinha amizades em todos os matizes políticos e classes sociais. Não discriminava pelo lado que se sentava no plenário do Parlamento.

Pessoal e profissionalmente, uma de suas paixões era o Direito, no qual atuava com discernimento crítico e diletantismo ao lado de seu consorte e companheiro de 40 anos, Thales Coelho – como ela, também jurisconsulto e colaborador d’Os Divergentes. Discorria com entusiasmo os meandros da Constituição e das leis, que estudava como primeiranista, sob inspiração da filosofia e da história universal mais do que da hermenêutica transitória.

Mineira explícita, desde a primeira sílaba, conhecia suas raízes das veredas de Rosa e Tancredo. Mas, sem bairrismo, proseava sobre outras terras Brasil adentro e Brasil de além-mar – incluindo os rincões e o pampa de minha terra lá pras bandas de São Vicente do Sul, terra de meus pais.

Como mulher, militava o feminismo com destemor, mas sem deixar de lado a autocrítica feminina. Não lembro de vê-la incomodada com o patrulhamento ideológico. Como intelectual, merecia ser ouvida e lida mesmo que dela se discordasse – o que nos levou a alguns debates acalorados até o limite de nossas convicções. Era a divergência com respeito mútuo – coisa de velhos do século XX, démodé.

De vida eclética, foi torcedora e militante do Cruzeiro. Como mãe, deixou filhos e netos bem-criados, como se dizia em tempos ancestrais lá na minha Canoas natal.

Deu seus últimos suspiros de lucidez e inquietude recostada numa cadeira de balanço enquanto lia um livro na sua casa em Santa Luzia (MG) – onde fui acolhido anos atrás, eu e minha filha, com cativante hospitalidade. Foi lá, nas Minas Geraes, que se preparava para escrever as aventuras de uma vida intensa, da infância à vida adulta – militância, política, estudos, mineirices, amores e muitas, muitas paixões. Vida que não sossega nem quando finda. Doou seu corpo à Faculdade de Medicina da UFMG – prática inédita, comum outrora a anônimos indigentes.

Tive alguns chefes ao longo de minha vida profissional. Em meados dos anos 1990, Sandra deixou de ser minha chefe para se tornar minha inesquecível amiga.

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Como este escrevinhador, Sandra também apreciava a boa música. Caso deste ensaio com orquestra e a soprano alemã Diana Damrau que, mesmo em vídeo de baixa definição, exibe a genialidade do encontro de Mozart, autor de A Rainha da Noite, e a voz maviosa de uma jovem cantora.

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