Já sabemos, mas é bom repetir: o papel de um jornalista é aproximar o leitor distante dos acontecimentos que vê de perto. É o meu caso. Estou diariamente circulando tanto pela opulência da chamada seara do poder quanto pela triste realidade das ruas. Numa hora, vendo o desfile de autoridades pelos tapetes do requinte. Noutra, no fogo cruzado da polícia com a população.
Nessa quarta-feira o Ministério das Relações Exteriores fez festa para entregar medalhas do Mérito de Rio Branco.
Jair Bolsonaro foi lá. Brindou com a condecoração a própria esposa, a primeira-dama Michelle, e várias autoridades da República, entre elas o ministro da Saúde de seu governo, Marcelo Queiroga. Era começo da noite e havia pouca iluminação no térreo do Palácio Itamaraty. Mas estavam lá mais de 300 sorridentes convidados, vestidos com capricho para a ocasião. Mulheres de longo, homens de paletó e gravata de grife. Ao som de dobrados executados pela banda militar, medalha a medalha ia sendo pendurada no pescoço ou posta na lapela dos orgulhosos agraciados a tão distinta homenagem.
Ao fim da distribuição das tais condecorações, suas excelências e os ilustres presentes subiram para o andar superior do palácio. Foram brindar no coquetel de comes e bebes tão fina ocasião na outrora respeitada casa da diplomacia brasileira.
Com acesso proibido, saí. Voltava para casa e, cinco minutos depois, a 200 metros da chique noite de gala, encontrei bem à frente do automóvel que me conduzia com Deusimar, esse senhor aí da foto. Desempregado, vendia sob a chuva pacotinhos de paçoquinha a 1 real. No peito, ao invés de medalhas, a placa com pedido de ajuda para comprar uma cesta básica para alimentar sua família. O local era o sinal de trânsito que separa os ministérios da Economia e o da Defesa.
No dia em que o Brasil ultrapassa a triste marca de 615 mil óbitos pela Covid e chora seus mortos, lembrei-me do pomposo, histórico e fatídico Baile da Ilha Fiscal, a última opulenta festa do período de Dom Pedro II à frente do comando do Brasil.