Desde que Arthur Lira pôs a mão em chaves que abrem cofres públicos, tudo ficou junto e misturado na Câmara dos Deputados. Até os partidos de oposição perderam controle sobre suas bancadas. No escurinho do Orçamento Secreto, todo o tipo de infidelidade foi costurada, com políticos de todos os naipes de olho nos milionários quinhões que podem fazer a diferença em seus projetos eleitorais.
Essa farra de bilhões tropeçou na decisão da ministra Rosa Weber, endossada pela grande maioria do STF, de respeitar o mandamento constitucional de transparência e mandar abrir a caixa preta no Orçamento da União — uma mutreta que reverteu até o trunfo disputado por políticos de todas as instâncias de exibir as verbas que conseguiu em benefício de seu eleitorado.
O problema é que se vier a público quem ganhou e por que ganhou pode ser aberta outra caixa, a de Pandora, capaz de revelar tratos feitos por debaixo do pano que embaralham a percepção sobre quem é oposição ou governo no Parlamento. Além de votos, abstenções e ausências, se abastecidas por verbas secretas, identificam mais do que os discursos, mesmo os inflamados, sobre quem é quem nesse jogo. Pode expor a imagem de quem comprou e quem vendeu nesse balcão de votos — alguns ícones podem dançar nessa história.
O ato de Arthur Lira e de Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, passando uma borracha nos bilhões e bilhões de reais secretamente distribuídos nos anos 2020 e 2021, com a alegação de que não mais se poderia identificar a quem beneficiou, é uma cascata tão evidente que foi desmentida até por técnicos do Orçamento do próprio Congresso Nacional.
Ninguém passa cheque em branco no Parlamento. Cada centavo é computado na cobrança de reciprocidade nessa ou naquela votação. Na Câmara isso é escancarado. Como se explica, por exemplo, que nessa segunda-feira (29) apenas 31 deputados votarem contra um projeto de resolução que apaga o passado e, em nome de uma suposta futura transparência, mantém brechas para que deputados e senadores se mantenham oculto em novas farras com dinheiro público.
A verdade é que, com exceções, muitos têm a esconder o que fizeram no verão, primavera, outono e inverno passados. Gostaram tanto que querem dar um baile na Constituição, no STF, nos contribuintes, e seguirem com a festa com dinheiro público em ano eleitoral. Daí o apoio, aberto ou velado, ao tal projeto de resolução.
É o que também explica todo o poder de Arthur Lira — um aplicado discípulo do redivivo Eduardo Cunha, que, como outros, volta a cena com a decisão dos tribunais superiores de enterrar a Lava Jato. Independente de quem vença a corrida ao Palácio do Planalto, Lira é candidato a se reeleger como presidente da Câmara dos Deputados. Conta com votos tidos hoje de governistas e de oposição, ceivados com as tais verbas secretas.
No Senado, o jogo foi diferente. A vitória do projeto de resolução que, entre outras benesses aos parlamentares, libera R$ 7 bilhões do Orçamento que haviam sido suspensos pelo STF, passou por apertados 34 a 32 votos. Foi salvo com uma mãozinha das oposições. Por exemplo, o senador Rogério Carvalho, vice-líder do PT, ignorou a orientação da sua bancada e votou a favor, e a senadora Eliziane Gama (Cidadania), que estava em plenário não votou.
Chamou a atenção que o MDB, maior bancada do Senado, contra o relator Marcelo Castro e poucas exceções, votou contra. A senadora Simone Tebet, pré-candidata do partido à Presidência da República, deu o tom. “O que o Congresso Nacional está fazendo é uma piada… A administração pública tem que se pautar pelo princípio da legalidade, da impessoalidade e da publicidade. Nós não temos o direito de rasgar a Constituição Federal, não temos o direito de afrontar o STF”.
No Podemos, agora partido de Sérgio Moro, mesmo senadores que vinham se aliando a Bolsonaro votaram contra. Puxado por Rodrigo Pacheco, gestor do Orçamento Secreto no Senado e também presidenciável, o PSD votou em bloco a favor do remendo na escandalosa emenda do relator. O senador Alessandro Vieira, do Cidadania, anunciou que vai tentar reverter a decisão no supremo Tribunal Federal. A cúpula do Congresso aposta que a turma liderada por Gilmar Mendes no STF vai manter esse drible na Constituição.
A conferir.