A grande maldade ficou impune

Não houve praticamente punição aos milhares de criminosos, de Portugal e alhures, que assaltaram e liquidaram a alma e a dignidade dos africanos. Os que também sobreviveram aqui a todo tipo de atrocidades, mesmo sendo a maioria da população, seguem tratados com inaceitável desdém.

Escravos em porão de barco negreiro, pelo pintor alemão Rugendas

Em meados do Século XIV ousadas caravelas conduzidas por uma tripulação assustada mas disposta a atravessar os mares, a partir da Europa, iniciou suas operações em direção à costa da África. O objetivo era prender, sequestrar, matar, se preciso fosse, homens e mulheres negras, transportá-los como animais, espancados e mal alimentados nos porões. Milhares morreram e foram jogados ao mar.

Esses eram os terríveis navios negreiros usados pelas potências da época para prender e transportar africanos, sem nenhuma preocupação. Para o Brasil trouxeram possivelmente o maior número de escravos raptados na África. Dessas gerações de assassinados violentamente alguns milhares escaparam da morte e permaneceram na nova colônia portuguesa instalada no Brasil. Milhares foram barbaramente torturados até a morte.

A princesa Isabel e a Lei Áurea na pintura de Victor Meirelles

Os negros vindos da África hoje constituem mais da metade da população brasileira, atesta o IBGE. Ainda assim eles e os pardos continuam sendo prejudicados em todos os setores: emprego, educação, atendimento médico, oportunidades de trabalho, violência policial. O número de negros que conseguem vagas nas universidades públicas é baixo mas está em fase de crescimento. Do início de janeiro deste ano até hoje, praticamente dobraram os crimes de preconceito de raça, etnia e religião.

Praticamente em todos os setores da atividade humana os negros são tratados com desdém, a despeito da mencionada convivência entre negros, brancos e pardos. É difícil mas a situação deve melhorar gradativamente, devido ao esforço dos negros, da conscientização e do incremento da ação social, nesses últimos anos. A conscientização dos negros sobre a necessidade de avanço em todos os setores da atividade humana já se tornou irreversível.

Não há como retroagir e os brancos, em minoria crescente, terão de se comprometer e partilhar do desenvolvimento social e material com negros, pardos, mestiços. A pressão será cada vez maior pela normalização e o apoio aos milhões de brasileiros de cor. Eles passaram por uma vida  de sofrimentos, privações e mortes, desde que bandidos e assassinos portugueses invadiram a costa africana, perseguiram os nativos e os acorrentaram: homens, mulheres e crianças.

Nossos irmãos africanos, que tanto engrandecem o Brasil, sofrem hoje uma perseguição diferente a ser combatida com rigor. São os preconceitos, a perseguição, as dificuldades criadas para o crescimento dos nossos irmãos. Insultos na prática de esportes, na convivência forçada, na falta de respeito. Sempre uma provocação que pode chegar a um nível de violência que certamente nossos irmãos de cor não suportarão. Haverá revide.

Os negros, pardos, mulatos, como queiram, apesar de todas as dificuldades enfrentadas se destacam positivamente em suas atividades. Infelizmente, há décadas passam fome, vivem em barracos, favelas, faltam-lhes comida, saneamento e educação. Nenhum ser humano pode ser marginalizado pela cor de sua pele, ou qualquer de suas características físicas.

Não houve praticamente punição aos milhares de criminosos, de Portugal e alhures, que assaltaram e liquidaram a alma e a dignidade dos africanos. Negaram-lhes inclusive a instrução. Os africanos no Brasil hoje estão com sua população superior à de outros brasileiros. Alguns milhões à frente. Sofreram massacrados, sobreviveram e trabalharam.

Não conseguiram obter o que lhes seria fundamental, como a educação e a saúde. Os afro-brasileiros não merecem as grosserias e insultos que ainda lhes impingem. Comemorar a data da abolição da escravatura é uma formalidade. Estimular e sempre lutar em prol da consciência negra, destacando-lhes novas ações e perspectivas é importante para a convivência.

— José Fonseca Filho é jornalista

 

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