Reportagens assinadas pelo jornalista Marcelo Godoy, publicadas pelo jornal O Estado, relatam a avassaladora expansão do narcotráfico com a formação de poderosos estados no interior do próprio estado em países da América Latina, na cabal demonstração do fracasso das medidas legais, judiciais e policiais de combate às drogas.
O volumoso tráfico internacional de maconha, cocaína e de outros entorpecentes, gera lucros de tal ordem que se tornou necessária a organização de cartéis hierarquicamente estruturados, com chefes, subchefes, soldados, armas pesadas, controle de contas, legislação e aparelho judicial próprios, cuja ousadia só é suplantada pela violência contra concorrentes, viciados, endividados e insubordinados.
O livro O Poderoso Chefão, escrito por Mario Puzo, transformado na trilogia do mesmo nome dirigida por Francis Ford Coppola, tendo Marlon Brando, Al Pacino e Robert Duval como astros principais, tem como pano de fundo a Máfia de Nova York e a transformação de quadrilhas exploradoras do jogo e do lenocínio em traficantes de entorpecentes. Para abastecer crescente mercado consumidor o cultivo da coca e da maconha é feito em fazendas da Bolívia, Colômbia e Peru. Na Bolívia o consumo da coca pertence à cultura ancestral e possui representantes nos círculos políticos, sociais e nas atividades econômicas. Os cocaleiros conseguiram assumir o poder ao elegeram Evo Morales presidente da República.
Reduzida quantidade de cocaína e de cannabis sativa tem uso medicinal. O grosso da produção é adquirido por quadrilhas criminosas e remetido aos grandes mercados consumidores e distribuidores. O Brasil possui extensa fronteira seca com a Bolívia, Colômbia e Peru. A ausência eficiente do Estado permite o contrabando de drogas, cuja menor parcela é apreendida. Muitas toneladas chegam ao destino por via fluvial, aérea ou terrestre.
“A Bolívia vira santuário do Narcosul (sic), o cartel da droga do PCC”, é o título da reportagem publicado pelo Estado na edição de segunda-feira, dia 18/10. É, também, refúgio de narcotraficantes brasileiros condenados pela Justiça, conhecidos como Tuta, André do Rap, Gordo, Bi da Baixada, Mijão, Peixe, Colorido. No Equador, para tentar reprimir a guerra entre cartéis mexicanos, responsáveis pelo aumento da criminalidade interna, o presidente Guillermo Lasso decretou estado de emergência após conflito em penitenciária de Guayaquil, com 118 prisioneiros mortos. Segundo o jornal, “As imagens que chocaram o país mostravam corpos desmembrados, queimados, decapitados e empilhados”.
Se não for eficazmente combatida, a situação no Brasil alcançará os níveis registrados no México e no Equador. Sabemos que o crime organizado desenvolveu elevado grau de profissionalismo. Os líderes do Narcosul expandirem os negócios, alguns agindo do interior de prisões de segurança máxima. Usam postos de gasolina, transportes urbanos de passageiros, casas de comércio, para lavagem de dinheiro.
O combate ao narcotráfico tem na linha de frente polícias civis e militares dos Estados e do Distrito Federal, e a Polícia Federal. Falta-lhes, entretanto, a coordenação de agência nacional dotada de recursos humanos e materiais, incumbida da coleta e análise de informações, da investigação dos cartéis, de apoio às forças policiais, de operações no exterior e em qualquer parte do território nacional.
O Narcotráfico é audaz, implacável e poderoso. Espalhou-se pelo mundo. Encontra maior liberdade de movimento nos Estados Democráticos de Direito, como é o caso do Brasil. Traficantes são favorecidos pela morosa burocracia processual e atuação leniente do Poder Judiciário, que defere, sem avaliar as consequências, pedidos de habeas corpus e autoriza saídas para festividades de Natal, da passagem de ano, do Dia das Mães, dos Pais. Não podemos nos esquecer de que André do Rap, o maior dos traficantes brasileiros, dono de considerável fortuna, foi libertado da Penitenciária de Presidente Wenceslau em outubro de 2020 pelo ex-Ministro do STF Marco Aurélio Mello. Saiu pelos portões da frente debochando da Justiça, e desapareceu.
A legislação deve ter o rigor exigido pelo combate eficaz ao tráfico. Com os cartéis é impossível ser brando e facilitar. A criação da agência nacional de combate ao tráfico de entorpecentes trará considerável avanço às medidas de defesa da sociedade.
— Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.