Romero Jucá, líder no Senado dos mais variados governos, foi quem melhor preconizou um acordão envolvendo os três poderes da República para interromper as punições puxadas pela operação Lava Jato e restabelecer na plenitude a eterna impunidade dos poderosos. Fez isso ao ser gravado sem saber, em março de 2016, pelo ex-presidente da Transpetro Sergio Machado, até então seu parceiro de tramoias, em que pregou um “grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo” para por um freio nas investigações sobre corrupção política sob a batuta do então juiz Sergio Moro.
A pauta do acordão proposto por Romero Jucá naquela época foi construída em conversas com os ex-presidentes Lula e José Sarney, os senadores Renan Calheiros, Eunicio Oliveira Jader Barbalho, Delcídio Amaral, Edison Lobão, e até alguns ministros do STF, com o apoio até então envergonhado de tucanos da plumagem de Aécio Neves. Chocou na época por metas como descriminalizar o Caixa 2 e reverter a possibilidade de prisão após a condenação em segundo grau. Essas e algumas outras medidas legais haviam rasgado a rede de proteção e aberto o caminho para delações premiadas de empresários, políticos e outros envolvidos em esquemas de corrupção.
O maior resultado dessas mínimas mudanças no trato da corrupção, corriqueiras mundo afora em regimes democráticos, foi o efeito cascata que expôs esquemas em todas as esferas de todos os poderes. Os podres dos poderes ficaram nus. O que se seguiu, inclusive com ilusões a eleitores de que o objetivo era o combate à corrupção, foi a gradual derrubada do que foi construído como uma espécie de dique contra o histórico desvio de dinheiro público para financiar projetos de poder e enriquecimento ilícito das elites de cada época.
A eleição de Jair Bolsonaro e de boa parte dos que surfaram em 2018 com um discurso anticorrupção foi um grande estelionato eleitoral. Desde a redemocratização do país, consagrada na Constituição de 1988, nunca houve tantos retrocessos legais no combate à corrupção como os que tão rolando agora no Congresso Nacional, com o beneplácito de Bolsonaro e de alguma parte do STF. Um por um estão sendo derrubados os pilares criados, sob a inspiração da Constituição, para tentar conter e punir o histórico assalto aos cofres públicos.
Tão indo pro ralo a Lei da Improbidade Administrativa, a independência do Ministério Público, as proteções constitucionais à interferências políticas em órgãos do Estado como a Receita Federal, a Polícia Federal e Itamaraty, entre outros. Todos eles são ou deveriam ser pilares de uma democracia que realmente funcione. Dez entre dez políticos corruptos, seus porta-vozes e até seus ruidosos advogados dizem que, mesmo com todos os seus comprovados flagrantes, não passam de vítimas e que o único bandido de todos os casos foram o ex-juiz Sérgio Moro, policiais federais, auditores fiscais e procuradores da República que apuraram as denúncias. Ou quem se atreveu país afora a aplicar o Código Penal no andar de cima de Brasília, dos Estados, dos Municípios e, quem sabe, aos jagunços que nesse mundão adentro na marra impõem suas próprias “leis”.
Pois bem. Nessa quarta-feira (6), de alguma forma pelos menos três acontecimentos em Brasília têm a ver com toda a narrativa acima. Na Câmara dos Deputados, sob a batuta de Arthur Lira que da Itália regeu o espetáculo, manteve toda a frouxidão antes imposta à Lei da Improbidade Administrativa, recusou inclusive as poucas mudanças aprovadas pelo Senado Federal. Uma delas chega a ser ridícula: manteve a exigência da comprovação de dolo na nomeação de algum parente por nepotismo; ao pé da letra, é piada pronta.
Ainda mais ousada é a tentativa de virar o disco para impedir que o Ministério Público cumpra seu papel constitucional de investigar as falcatruas políticas. Uma tal PEC 05/2021, apresentada por Paulo Teixeira (PT-SP) e outros deputados, relatada por Paulo Magalhães (PSD-BA), quer dobrar as escolhas feitas pelo Congresso para o Conselho Nacional do Ministério Público e poder indicar o corregedor e o vice-presidente do Conselho. Detalhe fundamental: esse tal corregedor indicado pelos parlamentares recebe o poder de rever atos judiciais dos procuradores da República até hoje só sujeitos ao Poder Judiciário e estende isso aos ministérios públicos estaduais. Quer dizer, numa só tacada surrupia prerrogativas de outros poderes e submete a apadrinhados dos políticos a impunidade dos padrinhos.
Enquanto a Câmara dos Deputados punha mais uma pizza no forno, um jantar em Brasília tinha com convidados a turma que anos atrás de alguma forma estimulou em conversas com Lula – e ainda estimula – o tão acordão verbalizado por Romero Jucá. Foi na casa de Eunicio Oliveira, ex-presidente do Senado e anfitrião de vários encontros semelhantes. Dessa vez, alguns faltaram. Caso de Renan Calheiros, que não quis misturar as bolas com seu papel de relator na CPI da Pandemia, mas a presença do deputado alagoano Isnaldo Bulhões, líder do MDB na Câmara, supriu a ausência. José Sarney também não foi, mas seu escudeiro Edison Lobão bateu ponto.
Esse jogo de terra arrasada contra a Lava Jato e outras investigações sobre corrupção, mesmo algo encoberto pelas pirotecnias e maluquices de Bolsonaro, começa arregimentar uma reação contrária. Não há passe de mágica que esconda o que se apurou de corrupção no passado e se descobre a cada dia na CPI da Pandemia e em outras apurações. Não é à toa que ressurge no cenário eleitoral a candidatura presidencial de Sérgio Moro. Pode ou não vingar. Mas repõe no jogo a frustração com a escancarada volta por cima da corrupção.
A conferir.