O mote para este artigo é o aniversário de 90 anos do sociólogo, professor e ex-Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, comemorado no último 18 de junho. Passados quase 20 anos do fim do seu governo, as inúmeras qualidades pessoais e os feitos dos anos FHC voltam a aparecer. Tenho certeza de que a história lhe fará justiça.
No momento, o sentimento é de orfandade. Me recuso a chamar de presidente esse ser que hoje ocupa a cadeira mais alta da República. Ele não preenche nenhum dos requisitos necessários para o cargo e nem de longe sabe se comportar dentro da liturgia que o posto exige. Mesmo que não fosse o psicopata que provou ser, estaria longe de merecer tão notório cargo.
Mas vamos falar de outra coisa. Do passado, para ver se temos alguma chance de futuro. Do tempo que o país tinha um Presidente da República. Mais do que isso. Um estadista. Um homem adiante do seu tempo. Que pensava o país, tinha um projeto de governo, montou uma equipe de excelência para tirar o Brasil da hiperinflação e que sabia, como poucos, conversar, escutar, negociar – qualidades simples, mas tão em falta nos dias atuais.
Conheço o sociólogo e professor Fernando Henrique Cardoso desde meus tempos de faculdade. Tinha um professor de sociologia, Chiquinho, que havia sido contemporâneo dele em Paris. Como nutria enorme admiração por Fernando Henrique, sempre que podia indicava seus livros como tema para algum trabalho ou debate. Foi através dele, Chiquinho, que também conheci Sartre e Simone de Beauvoir.
Depois, já em Brasília, como jornalista, acompanhei de perto o governo FHC. Pouco fui ao Palácio do Planalto, já que minha área era a econômica. Mas nas vezes que presenciei uma entrevista coletiva saía de lá fascinada. Com a certeza de que o país daria certo. E nunca ouvi um disparate, uma grosseria, nem notei qualquer gesto que demonstrasse impaciência ou soberba.
Muito pelo contrário. Por pior que fosse o momento que o país estivesse atravessando, Fernando Henrique estava sempre de bom humor, com paciência para aguentar o enxame de jornalistas e perguntas que caíam sem parar sobre ele e sua equipe. Nessas ocasiões estava sempre acompanhado por sua assessora, a jornalista Ana Tavares, outro exemplo de profissional competente e dedicado.
Ana nunca deixava de retornar uma ligação, embora fosse impossível atender a todos na hora. E se postava sempre aos fundos de forma que o presidente a pudesse ver. FHC disse, em livro, que sabia se estava indo bem ou mal na entrevista só de olhar para a expressão da Ana.
Vendo e ouvindo os depoimentos por ocasião dos seus 90 anos fiquei pensando como esse tempo, que foi ontem, já me parece tão distante. Como se o tivesse vivido em outra encarnação. Passei, em retrospectiva, os presidentes que acompanhei como jornalista, desde o general Figueiredo, último governo militar, até o governo Temer. Nenhum tinha a sua estatura.
Mesmo no passado da República, revisitando a história, não encontrei ninguém a sua altura. Getúlio Vargas teve enorme expressão nacional, mas as mazelas do seu governo também foram gigantescas, como a ligação com o Eixo, as perseguições e prisões políticas e a deportação de Olga Benário para a Alemanha. Juscelino Kubitschek, o fundador de Brasília, também teve seu mérito, mas com ele a dívida e a inflação explodiram.
O jeito, presidente, é olhar para o futuro e esperar que surja alguém que a gente possa, com orgulho, declarar que é o Presidente de todos nós brasileiros.