Na infância, morei em uma casa com quintal onde meu avô criava galinhas. Lembro da confusão do dia em que uma delas voou por cima do muro para o quintal do vizinho. Galinhas voam, mas em distâncias muito curtas, daí o uso da figura para simbolizar muitos períodos da economia brasileira onde momentos de euforia com crescimento firme são seguidos de fortes crises, com consequências na política.
A euforia leva sempre a um relaxamento na aprovação das reformas necessárias, porém impopulares ou rejeitadas por grupos, que garantam o aumento de produtividade, sem o qual o crescimento não se sustenta. Ou simplesmente leva a decisões econômicas equivocadas que mascaram os problemas durante um tempo enquanto a economia cresce, até que as condições temporárias, principalmente externas, se modifiquem e a realidade apareça. O bilionário Warren Buffett foi mais sucinto: quando a maré baixa é que se vê quem estava nadando pelado. Paul Krugman, prêmio Nobel de Economia de 2008, explica: “A produtividade não é tudo, mas no longo prazo é quase tudo¨.
No regime militar, no período do chamado “milagre econômico”, o crescimento acelerado da dívida externa, aproveitando as baixíssimas taxas de juros, uma política severa de substituição de importações e a criação de 274 empresas estatais se defrontaram com a alta do petróleo, quando os juros externos subiram e o país quebrou. O governo militar caiu com a inflação batendo em 200%. A galinha, que tinha cacarejado bastante durante o vôo, desabou.
No período do governo Lula, de 2002 a 2010, com exceção da crise de 2008/9, o boom de commodities e o crescimento da China provocaram outro período de euforia, com a dívida externa se resolvendo, enquanto o ambiente de negócios se deteriorava com o manicômio tributário e o estado aumentando seu gasto. O aumento da produtividade, necessário para a sustentação do crescimento foi para o espaço. Reformas adiadas e o desgoverno Dilma, com pedaladas e isenções tributárias, explodiram a crise econômica e o governo caiu. Nova aterrissagem forçada da galinha, não sem antes também ter cacarejado o sucesso durante o vôo.
Nos últimos dias, apesar da infâmia de quase 500.000 mortos da pandemia, uma nova situação externa favorável com o crescimento da China e juros externos baixos sinalizam nova euforia. Novo boom de commodities com crescimento da demanda e aumento de preços faz subir as previsões para um crescimento surpreendente do PIB próximo de 5% no ano. A inflação crescente alimenta o aumento de arrecadação que diminui o risco de uma dívida interna que parecia explosiva.
A maré sobe e voltamos a nadar pelados. O fato das eleições de 2022 estarem antecipadamente nas ruas já faz prever que as reformas necessárias e impopulares, ou rejeitadas por grupos, poderão ficar para escanteio ou muito desidratadas e novamente o crescimento sustentável, dependente do crescimento da produtividade, poderá ser adiado.
A reforma tributária, para simplificar e tornar mais racional o pagamento de impostos, não tem o consenso, o envolvimento e o empenho das lideranças políticas. Privatizações prometidas já parecem mortas ou murchas. A reforma administrativa, torpedeada por grupos privilegiados da administração, corre sério risco. Outros ítens fundamentais para melhorar o ambiente de negócios( onde o Brasil se situa no 125º lugar em 190 países), como uma maior abertura econômica, tem poucas chances.
E o grande fator de aumento da produtividade, a educação, está completamente negligenciada, com diagnósticos e remédios equivocados, falta de coordenação e uma crise sem tamanho provocada pela pandemia com evasões e ausência de aprendizagem.
Mas parece que outra galinha se prepara para voar, sem a produtividade, mas com muito cacarejo.
Meu avô resolveu o problema dele cortando as asas das galinhas para não voarem mais. Talvez tenham feito isso na Argentina. Tem países que não dão certo. Tomara que não aconteça com o Brasil e que o crescimento que se apresenta agora possa ser realmente sustentável.