Só não vê quem não quer: o general Eduardo Pazuello está com um pé no Palácio Rio Negro. Quando tirou a máscara profilática e saltou para dentro do trio elétrico, domingo, no Rio, já estava combinado com o presidente Jair Bolsonaro: ele será o nome para enfrentar nas urnas seus algozes na CPI da Covid e na política manauara, os ex-governadores e senadores Omar Aziz (PSD-AM) e Eduardo Braga (MDB-AM), sem contar o aguerrido ex-prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto (PSDB), no momento distante dos holofotes, mas com a língua afiada.
Pazuello já encomendou seu pijama de general da reserva, mas está se demorando anunciar a baixa, enquanto a CPI da Covid não lhe dá o nihil obstat, e ele possa se afastar desses quiproquós. O problema é que esse drible burocrático não pega bem dentro do Exército, onde ele está fazendo cortinas de fumaça, pois não condiz com a seriedade da instituição. Aí a porca torce o rabo, pois o presidente da República está dando cobertura ao fiel ex-ministro, valendo-se de seu poder de comandante-em-chefe.
Com isto, o general Paulo Sérgio, que já assumiu sua comissão sob saia justa, fica entre dois fogos: seu dever constitucional é obedecer ao chefe do Executivo. Por seu lado, Pazuello criou um guarda-chuva, deixando seu comandante sem muitas alternativas. Ou peita ou não peita o capitão? Esta é a questão delicada intra corporis.
Já Bolsonaro demonstrou que não dorme de touca. Pazuelllo, até seu célebre depoimento, era apenas mais um general do governo, que estava na porta de saída com bilhete azul. Porém, a coisa mudou da noite para o dia. Com seu depoimento na CPI, ganhou uma notoriedade que não tinha até então, nem como ministro. Foi demitido por incompetência e voltou ao ninho presidencial como um político de futuro, com apoios desabridos das hostes bolsonaristas.
O presidente estava sem candidato no Amazonas, dado ao fracasso do atual governador, Wilson Lima (PSC), sem chances na reeleição, soterrado pelas vicissitudes da pandemia. Com isto, direitistas, esquerdistas e centristas se preparavam para dar o bote, quando apareceu, sem mais nem menos, das profundezas da CPI, aquela figura improvável, que até a véspera de seu depoimento era chamado abertamente na mídia de general fujão, de milico assustado, de ex-gestor amedrontado, que só foi ao Senado quase sob vara, com um habeas corpus na mão. Chegando lá, inesperadamente, cresceu, esgrimiu e enfrentou todo o mundo.
Ficou dois dias no pelourinho e conseguiu se safar. Só depois que ele foi embora, terminado o interrogatório, vendo a goleada, os senadores decidiram contra-atacar, fazendo coro aos amazonenses, brandindo o “mentiu, mentiu”, convocando o general para outra temporada. Vai ser um show à parte. É muito provável que o relator, senador Renan Calheiros (MDB/AL), mande prendê-lo, se ele não incriminar Bolsonaro, ou o denuncie para o extinto Tribunal de Nuremberg (como David Nasser, da extinta Revista O Cruzeiro, nos anos 1950).
Integrante de uma das famílias mais ilustres do Amazonas, empresários dinâmicos e de tradição no comércio e nos transportes, Pazuello tem raízes profundas no estado. Isto conta muito. Com apoio do presidente da República, mais esta base empresarial, Pazuelllo é um nome fortíssimo. Foi pensando nisso que se fez a jogada ensaiada da mão amiga puxando o general para o proscênio do trio elétrico.
O Exército está fulo de raiva, pois não queria se misturar nessa questão eleitoral. Mas é impossível afastar a ligação, pois trata-se de general da ativa, e a mídia nacional está martelando dia e noite que os militares estão sendo manipulados pelo Palácio do Planalto. Pode ser: até quando essa crise vai durar?