Nosso direito positivo tem suas raízes no Direito Romano, tanto que no século passado as Faculdades de Direito ainda exigiam em seus exames de vestibular a prova de latim. A saída era decorar as catilinárias. “Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência? (Quosque tandem, Catilina, abutere patientia mostra?). A língua latina morreu com a queda do Império Romano, mas os filósofos cunharam algumas expressões que ainda são usadas, como a que ainda serve para definir o homem de todos os tempos.
Lupus est homo homini lupus.
Foi Thomas Hobbes no seu Leviatã quem disse que uma sociedade civil ou união social só podem ser alcançadas quando é estabelecido um contrato social com um poder centralizado com autoridade delegada, pode exercer (o poder) de governar para proteger a sociedade, criar a paz e possibilitar uma comunidade civilizada.
É possível concluir que o Homem tem um grande potencial para o bem, eis que seu instinto nato parece ser um dom da própria lei da natureza. No dia das mães a humanidade costuma recordar disso e celebra o amor familiar, daí porque ser a família a célula mater da sociedade e do estado.
Já a inclinação para o mal nasce dos espíritos desprovidos de amor e solidariedade, voltados apenas aos seus próprios e mesquinhos interesses. Muitas vezes, esta atitude de lobo é revelada através dos “fins que justificam os meios”.
Aristóteles (384-322 a.C.), revelou a fundamental importância da Política ao ensinar sobre a natureza, funções e divisão do Estado e suas instituições, deixando desde então a interrogação se tudo o que trata da polis seria uma arte ou ciência. (A palavra “política” é derivada do termo grego “politikos”, que designava os cidadãos que viviam na “polis”. “Polis”, por sua vez, era usada para se referir à cidade e também, em sentido mais abrangente, à sociedade organizada).
Governar um povo é uma arte ou uma ciência?
Vemos hoje no Brasil uma frase que passou a ser proferida pelos que detestam a política dizendo “POLÍTICA NÃO DEVIA SER PROFISSÃO”. Mas estes mesmos que pregam este mantra são os primeiros a buscarem o melhor profissional médico para sua saúde, o mais experiente engenheiro para construir a sua casa ou o mais reconhecido profissional que em qualquer área lhe assegure segurança nas suas necessidades.
Militei boa parte da minha vida, deixando minha advocacia de lado, como outros que deixaram suas profissões para fazerem boa e necessária política, arte ou ciência que demanda tempo para se entender e interagir na democracia.
Mas o que me faz manter esta militância e ativismo, agora não mais disputando mandatos eleitorais porque não acredito no sistema que adotamos em 1988, mas por fora do sistema para mudar as regras deste sistema do toma lá dá cá.
Evidente que um pensamento de autocrítica tem me acompanhado: “Quando eu era inteligente queria modificar o mundo, agora que sou sábio, sei que tenho que primeiro mudar a mim mesmo”.
Novamente a razão me recicla com o “Sei que nada sei”, por isso tenho que continuar aprendendo para viver em sociedade. Entretanto, e, exatamente pelo dever de consciência e até retribuição pelo que a sociedade já me ensinou, não posso me trancar em mim mesmo e esperar que o tempo, por si só, se encarregue de transformar o lobo em cordeiro, o autoritário em democrata e o mentiroso em alma pura.
Já vivi o suficiente para saber que este caldo de cultura em que nosso Brasil está atravessando e mergulhado até o pescoço está mais para a divisão que para a união, mais para o desentendimento que pela concórdia. Temos que sair do lodaçal para a pedra fundamental do artigo 3º da nossa Constituição Federal quando prescreve “construir uma sociedade livre, justa e solidária”.
Seja arte ou ciência a política, que fiquem as discussões filosóficas de lado, porque a nossa sobrevivência como nação civilizada, mais que nunca, depende do pragmatismo da democracia e da política, como disse Churchill, “Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”.
Temos que rever os nossos 500 anos de descoberta, 200 de independência e os 130 de república para analisarmos e nos conscientizarmos deste momento histórico desta nação.
Escutamos o mundo dizer que somos o “pulmão do mundo”, que na próxima década seremos os maiores produtores de alimentos da terra. Se isso nos orgulha, também nos cabe a humildade de reconhecer que ainda não somos um país sério, que cotidianamente nossos governantes demonstram esta falta de seriedade e honestidade, bem como esta chocante realidade que temos um dos piores índices educacionais. Que a incrível desigualdade social expressa nos números de uma minoria abastada e poderosa, ante uma maioria de paupérrimos, desempregados e famintos, para sustentar o gigantismo do estado que explora e distribui benesses, privilégios e maracutaias aos governantes.
Será que esta guerra interna entre policiais e traficantes não nos diz respeito? Que não importa as milícias estejam tomando e ocupando cidades? Que o crime organizado atue dentro do estado, ao ponto de comandar presídios? Que a má política tome conta do Judiciário e expulse a justiça? Que a descrença nas instituições nos leve ao labirinto para encontrar uma saída?
Não nos diz respeito esta espécie de amnésia coletiva que esquece a corrupção de ontem, que era artesanal nos últimos governos, tenha se transformado em linha de montagem, como se ela fizesse parte dos usos e costumes da nossa sociedade?
Temos uma única saída. A saída ainda é pela política.
Desta vez recrutar brasileiros e brasileiras que são a maioria dos eleitores para que, com o PODER ORIGINAL, reescrevam uma CONSTITUINTE EXCLUSIVA, método e forma ainda não utilizados pela nossa sociedade.
Homens e mulheres sem filiação partidária, independentes, experientes, fichas limpas, maiores de 30 anos de idade, idealistas, que aceitem ficarem inelegíveis pelos próximos 10 anos, assegurando com isso que não estarão, como infelizmente está contaminada a classe política, sempre mais interessada na própria reeleição e defesa dos seus interesses pessoais e privilégios do establishment (elite social, econômica e política que comanda um país).
Friedrich August von Hayek, Prêmio Nobel de economia em 1974 – defensor do liberalismo -, advertia que quando surge um rumo ignorado ao invés do progresso continuo, somos levados a atribuir culpa aos outros e não a nós mesmos. Ou como ensinou Martin Luther King Jr. “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”.
A saída democrática é mantermos intactos os primeiros 16 artigos da atual Constituição para respeitar a democracia e estado de direito, nos fixando nos artigos 1º, parágrafo único (“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”), e 14 (“A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e voto direto e secreto, com igual valor para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular).
Esta proposta de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional), do IDL (Instituto Democracia e Liberdade), está posta à discussão da opinião publica na internet (http//idl.org.br) para receber contribuições e críticas a fim de, posteriormente, serem colhidas as assinaturas da INICIATIVA POPULAR e ser apresentada ao Congresso Nacional para que as imprescindíveis reformas constitucionais finalmente sejam feitas.
Decorridas três décadas, 8 legislaturas, 7 presidentes, 3 reeleições e nossa classe política se mostra inoperante e omissa, criando um vácuo, em que os poderes já não são e não estão harmônicos entre si. Pelo contrário, com a pandemia criaram um pandemônio em que os governados se interrogam ”afinal quem manda, o presidente, o governador, o prefeito ou o Judiciário?”
Ninguém pode autorizar ninguém a rasgar de vez a colcha de retalhos que transformaram a Constituição como se está pregando neste instável “eu autorizo”. Urge pois que o PODER ORIGINAL DO POVO, e somente por ele, seja exercido para autorizar homens e mulheres do povo fazerem um verdadeiro emendão com os alicerces dos primeiros 16 artigos da Carta Magna.
A proposta é elegermos a ASSEMBLEIA CONSTITUINTE EXCLUSIVA na eleição de 2022 – junto com as eleições gerais.
Os constituintes exclusivos – escolhidos pelo voto direto e secreto – terão a tarefa de apenas redigirem as emendas necessárias em dois anos, para que na eleição municipal de 2024, através de referendo, o Povo Brasileiro diga se aprova ou rejeita as reformas adotadas por eles (muitas das quais estão na pilha de espera de bons parlamentares para romper o establishment).
Na sequência, com este calendário, com planejamento, método, lógica, arte e ciência, tenhamos escritos os deveres, obrigações e responsabilidades dos futuros governantes, nas eleições gerais de 2026 elegeremos novo presidente, governadores, senadores e deputados, e, a seguir, prefeitos e vereadores, pelas novas regras do pacto e jogo político.
Esta solução permitirá fazermos a eleição dos Constituintes Exclusivos sem custos, pois bastará um clique a mais na urna eletrônica e com isso assegurada a verdadeira constitucionalidade do “voto secreto e direto com valor igual para todos”.
Para diferenciar, a proposta adotará o tão sonhado VOTO DISTRITAL, usado pelos países desenvolvidos, mas que permanece no vai e vem das gavetas do nosso moroso Legislativo.
Apenas 121 Constituintes Exclusivos serão suficientes para termos uma representação legítima e igualitária do povo, com criação de 120 distritos eleitorais, cada um de dois milhões de habitantes e mais nacional para que as populações indígenas também tenham legítima e indispensável presença. Vale dizer, usaremos os meios e os fins para justificar esta tarefa inusitada dos brasileiros terem novas regras de poder e fazerem a política com ciência e arte.
* Nilso Romeu Sguarezi, advogado e constituinte de 1988