O ex-ministro Eduardo Pazuello poderia estar dizendo o velho adagio que “de bobo só tenho a cara”, não fosse o atestado repassado pelos altos chefes do Exército de que ele, de fato, esteve exposto a contágio à alguma variação do vírus SARS-CoV-2. Ele próprio imune, não perdeu sua própria periculosidade como possível difusor da praga. Assim, não deve mesmo, seguindo os protocolos da OMC, aproximar-se de outras pessoas. Interessante que seria esta uma das contradições a que seria submetido no interrogatório da CPI: como desprezar os protocolos da ciência, tal qual seu ex-chefe imediato Jair Bolsonaro? E embora, como general da ativa, esteja sob o comando do capitão.
Entretanto, não há atestado médico bastante para calar a boca dos adversários do governo de troçar que o ex-ministro fugiu da raia, escondeu-se e tremeu na base para não enfrentar o pelourinho. A voz corrente é que o desastrado general irá, na cadeira de depoente, fatalmente botar os pés pelas mãos, vai se expor ao ridículo e, no final da fritura, será uma pimenta nos olhos do presidente. Bolsonaro é o alvo da artilharia antagônica.
Numa comissão integrada por senadores graduados em medicina e o acesso, no fim da fila, a doutoras senadoras, seria inevitável que um leigo, oficial de intendência, possa, facilmente, ser nocauteado diante das câmeras, para dizer-se que o governo é incompetente numa questão tão técnica como infectologia. O ministro comprou e não comprou vacinas no País e no estrangeiro. Mandou e não mandou oxigênio para Manaus, distribuiu ou não cloroquina e outros paliativos, e assim numa fieira interminável de falhas, desmandos e confusões bem brasileiras.
Pobre Pazuello, dirão. De fato, o patriota general esperava botar pingos nos íis dos incompetentes civis que, no Ministério da Saúde, não davam conta do recado. A cena internacional coincidia com esse modelo: bastava ligar a tevê para ver que nos países adiantados, como Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, onde fosse, a imagem frequente é de soldados fardados organizando o serviço. Até agora, continuamos a ver nas telinhas, todos os dias, milicos de seringa na mão vacinando. Aqui foi um escândalo, pois o governo deveria ter deixado o general no lugar que estava no ministério do professor Nelson Teich, atrás das câmeras. Naqueles países, quem falava pela pandemia eram cientistas renomados, enquanto os militares carregavam o piano. Aqui não. Deu no que deu. Um prato feito para a oposição comer de colher e se lambuzar.
Se o distanciamento social obrigatório salvou o general de se expor no primeiro momento da CPI, quando ainda estavam quentes os ânimos, o verdadeiro perigo não foi afastado. As inquirições dos primeiros ministros, ex e atuais, demonstrou que é muito difícil incriminar alguém pelos fatos que se repetem pelo mundo afora. Também o impeachment parece distante. Pelo contrário, o presidente da República parece resiliente, voltando a brandir seu cacetete, não poupando nem mesmo os aliados chineses do governador João Doria (SP), parceiros políticos do BRICS.
O perigo está à frente: há um consenso de que parlamentares da oposição dita radical vão se aproveitar da guarda aberta pelo presidente ao colocar um general da ativa na vitrine para descontar antigos recalques encruados. Há um grupo expressivo de políticos esperando uma brecha para cobrar velhas faturas contra o Exército, por conta dos desmandos dos porões da repressão nos tempos da ditadura. É um passivo que ainda levará anos para ser saldado, mesmo que a atual geração de militares não tivesse participado ativamente daqueles tempos e, na verdade, a maior parte condene, sem, contudo, admitir que a instituição seja pisoteada. Este é o grande problema do depoimento do general Pazuello: não há como impedir que sua presença na CPI, como ex-titular de um cargo civil, seja cobertura para desafetos atacarem as instituições armadas. É o preço que o presidente terá de pagar por colocar um oficial da ativa diante das câmeras. Se Pazuello tivesse abatido o vírus seria um herói nacional. Mas não foi.
Pelo contrário, Pazuello deixou o cargo civil levando a fama de incompetência para dentro dos quartéis. Inaceitável, dizem os fardados. Não há como tirar o bode da sala disfarçadamente. É inevitável que essas lambanças de terno à paisana respinguem no uniforme que voltará a vestir. Os militares não querem admitir que seu general se excedeu e está exposto às críticas, execrações e deboche. Ajoelhou tem que rezar.