Sonhador, polêmico, persistente, compositor, político, cantor, intérprete, elegante, encantador; assim foi Agnaldo Timóteo Pereira, das Gerais para o mundo. Nascido na Caratinga de Ruy Castro, se encantava, desde pequeno, ainda engraxate na pracinha, pela sonoridade propagada nos picadeiros circenses e das trombetas dos parques de diversões que visitavam sua cidade natal. Tinha musicalidade nas veias. Ainda em Minas, foi para Governador Valadares, tornando-se torneiro mecânico na “Lambertucci Retifica”.
O rádio da oficina emanava notas musicais perfeitas. Eram a Sapoti e Cauby Peixoto e sua “Conceição”. Em sua viagem mineira pelo trem azul, chegou a Belo Horizonte onde conheceu Ângela Maria. Em tom profético sentenciou:
— Menino, quer fazer sucesso? Vá para o Rio de Janeiro.
Veio, viu e venceu. Em terras cariocas conheceu o Rei, penou, cantou, na Nacional e na Mayrink Veiga. Sucumbiu. A Sapoti pediu emprego como motorista e, como fada madrinha e seu toque com o microfone de condão, o desejo de gravar foi atendido. Era 1961, o selo Caravelle, um compacto simples que ficou na “Cruel Solidão” do seu lado ‘B’. Nova tentativa no ano seguinte e “Na base do Bandolim” nada solou. Não desistiu. Um Caratinguense nunca, jamais desiste.
Mais um ano se passou, nova “Tortura de Amor”, criação de Waldick Soriano. Foram 180 cópias vendidas na base do Dicró; de mão em mão pelo próprio. Chegamos em 1965 e lá estava Timóteo no programa “Rio Hit Parade”, de Jair de Taumaturgo, na extinta TV Rio. O grupo inglês “The Animals”, encimava as paradas de sucesso com “The house of the rising sun”, música escolhida por ele. Era a virada. Agnaldo ganhou todos os prêmios oferecidos pelo programa e, de quebra, conquistou a ‘Juventude Iê-iê-iê’.
A Odeon, que não perdia uma oportunidade, apresentou um contrato para gravação de vários LPs. “Surge um Astro”, ironicamente, só com sucessos internacionais em versões. Claro, foi “A Casa do Sol Nascente” – The House Of The Rising Sun – em sua vida. Acabava ali o “É Tão Triste Veneza” – Que C’est Triste Venise – daqueles dias, era o que tudo que tinha pedido a “Mamãe” – La Mamma – em sua vida. Sucesso absoluto de vendas, de público e nas paradas de sucesso.
Em 1967 deu [seu] “Meu Grito”, de independência para o sucesso! Composta de Roberto Carlos, ficou em primeiro lugar, nas paradas de sucesso, por semanas, sendo uma das mais tocadas nas rádios brasileiras. Não bastava, precisava gritar ao mundo, “Mamãe Estou Tão Feliz” – Mamma – e cantar n’”Os Verdes Campos da Minha Terra” – “Green Green Grass Of Home” – em turnê.
Conheci-o em 1982, então candidato a Deputado Federal carioca, pelo PDT. Uma figura incrível. Fui até seu apartamento na avenida Atlântica, no bairro de Copacabana, Zona sul da Cidade. Ambiente com esguies e uma dosagem perfeita de cafonice que dava um charme especial à atmosfera. Eu trabalhava, na época, para a maior indústria têxtil do país. Ele nos havia feito uma proposta de ‘vestir’ cariocas e fluminenses, com seu rosto estampado, em camisetas brancas.
Vendo valores desistiu da ideia mirabolante, no entanto, rendeu um papo incrível, regado a whisky, com direito a descida à garagem do prédio para conhecer sua coleção de carros importados – sua paixão arrebatadora -, com destaque para o Pontiac Trans Am, e a poderosa águia estampada no capô. Azul-imperial – pura provocação ao Carlos Imperial confessada – emplacado, como todos os outros veículos da frota, na mineiríssima Timóteo.
Falamos de política, tinha ideias progressistas e combativas a miséria e pobreza. Falava o que vinha à cabeça. Nem a língua, tampouco à boca, seguravam suas ‘verdades’. Conversamos mais duas vezes nas eleições de 1986 e em 1994. Ficou nisso.
Em 2011 veio “A Força da Mulher”, em homenagem a Dilma Rousseff, então Presidenta do Brasil. Era “Mulher” em 14 nomes; “Michelle”, “Manuela”, “Ângela”, “Maria”, “Roberta”, “Ana”, “Conceição”, “Nathalie”, “Laura”, “Maria Bonita”, “Marina” e “Aline”.
Morreu, nesse sábado, as 84 notas musicais da partitura de sua vida, sem foguetes, sem retrato e sem bilhetes, sem luar, sem violão devastado, após dezessete dias de internação, por complicações provocadas pela Covid-19. Lugar comum, puro clichê como cita Joaquim Ferreira dos Santos em sua crônica semanal para o Jornal O Globo desta segunda, 28/03: ‘Até quando?!’.
“Se eu demoro/Mais aqui eu vou morrer/Isso é bom/Mas eu não vivo sem você/Eu não penso mais em nada/A não ser só em voltar/Vou depressa e levo o meu amor nas mãos…”
Está lá no páramo, devidamente confortável em uma nuvem dourada, entre um solfejo e um vibrato, ao lado de Ângela e Cauby. Talvez tenha sido o último romântico.
Chove no Rio.
— Carlos Monteiro é jornalista