O então presidente Luiz Inácio Lula da Silva definiu-se certa vez como uma “metamorfose ambulante”. Uma de suas principais adaptações configurou-se noutra frase sua que virou bordão na política: “Lulinha paz e amor”.
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Como em acidentes aéreos, esta inflexão não foi o único fator a garantir a vitória sobre José Serra em 2002 – disputa renhida, vencida apenas no segundo turno. Mas mostrou como um dos maiores líderes populares do Brasil entende de eleições, vencê-las e perdê-las.
Em entrevista a’O Estado de S. Paulo do último domingo, 21, o presidenciável Ciro Gomes reconhece as críticas ao seu “temperamento”. “Claro que tenho que ouvir essas críticas”, admitiu aos jornalistas Adriana Ferraz e Eduardo Kattah. Para, em seguida, como a se contradizer: “Vou fazer o quê? Bancar o lord inglês?”.
O pleito de 2022, na visão distante deste Brasil pandêmico, indica uma eleição polarizada entre extremos. De um lado, Lula. Do outro, o presidente Jair Bolsonaro.
Mantidos os percentuais de apoio que cada um detém, cerca de 30%, hoje ambos são fortes candidatos a disputar o segundo turno. Claro, a depender do humor dos sufetas do STF, que decidirão se Lula poderá ou não se candidatar. Como a decisão será política, como soído suceder na Corte Máxima do Judiciário brasiliano, o resultado ainda não é previsível.
Sem briga, só paz & amor
Se quiser desbancar um dos dois contendores, Ciro precisará abandonar o viés extremista que seu linguajar beligerante sugere. Seu alvo, caso disposto a inflectir, serão os eleitores moderados de todos os matizes e as franjas dos dois pesos pesados.
Recordar as lições de 2002 poderá ajudar o coronel cearense, como a ele se referem os inimigos locais, a adaptar-se à conjuntura. Foi em 22 de agosto de 2002, em Rio Branco (AC), que o então presidenciável Lula mostrou sua nova cara. “Lulinha não quer briga. Lulinha quer paz e amor” foi a frase cunhada, depois eternizada na epítome “Lulinha paz e amor”.
A inflexão de Lula, é verdade, não se limitou a uma frase de campanha. Com os ortodoxos Antonio Palocci e Henrique Meirelles no primeiro escalão de seu governo, Lula buscou neutralizar a oposição do empresariado e do sistema financeiro a seu governo.
Mas, para conquistar o poder de nomear o ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central, Lula precisava antes ser eleito. Se fizesse o que fizera nos três pleitos anteriores, as urnas o fariam mais uma vez um derrotado.
Ciro Gomes parece ser hoje o que sempre foi. Desbocado, destemperado e intempestivo, alvo fácil de provocadores, quando não de sua própria língua. Este, aliás, é o perfil de Bolsonaro, aplaudido pelo hoje minguante eleitorado do capitão-mor.
Como a fórmula já foi usada por Lula não bastará ao ex-ministro e ex-governador extrair os impropérios e as invectivas de seu vocabulário e pregar “paz e amor”. Seu voluntarioso intervencionismo econômico também é um desafio. Sem uma mudança, apenas roubará votos de outros candidatos e, como em 2002, garantirá o segundo turno… dos adversários.