A carta lançada por economistas e empresários de destaque e relevância política nesta semana vai além das tradicionais cartas de repúdio ou insatisfação. Basicamente, devido ao seu momento político. Não há dúvida de que a semana dos dias 14 a 20 de março foi uma das piores para o presidente Bolsonaro, com pesquisa de opinião pública negativa, demora na posse do novo ministro da saúde, recorde de mortes causadas pela Covid-19 e o discurso do ex-presidente Lula, após decisão favorável no STF.
A própria carta pode ter sido uma consequência do efeito Lula. O centro se encontra em uma encruzilhada política, pois Bolsonaro é um impeditivo para que possa ir ao segundo turno em 2022, e o PT, principalmente com Lula elegível, passa a ser uma possibilidade concreta para derrotar Bolsonaro, e a “solução Lula” está longe de ser o desejo da classe empresarial.
As respostas do presidente Bolsonaro dão pouca indicação de mudança. O pronunciamento à nação da terça-feira (23 de março) foi mais simbólico do que prático, já que usou dados distorcidos e favoráveis a ele e não trouxe nenhuma posição efetiva, tal qual indicação ao uso de máscaras e às medidas de isolamento, como pedem cientistas e os próprios signatários da carta. Além disso, houve panelaço em várias cidades. Importante lembrar que dois dias antes do pronunciamento, Bolsonaro provocou aglomeração em Brasília quando comemorou seu aniversário em frente ao Palácio do Alvorada, além de comparar as medidas de isolamento de alguns estados e do Distrito Federal ao Estado de Sítio.
Não se pode subestimar o efeito do movimento dos empresários. Ainda inicial, ele começa a causar impactos na classe política, já irritada com a escolha do novo ministro da Saúde, o cardiologista Marcelo Queiroga. Uma primeira reunião do grupo já foi realizada com os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM/MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP/AL).
O final da carta diz muito sobre a expectativa por respostas rápidas e soa como um ultimato ao presidente: “O país tem pressa; o país quer seriedade com a coisa pública; o país está cansado de ideias fora do lugar, palavras inconsequentes, ações erradas ou tardias. O Brasil exige respeito”. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM/MG), tem sofrido pressão dentro da Casa, principalmente do senador Tasso Jereissat (PSDB/CE), para abrir uma CPI que apure a responsabilidade do governo federal nas mortes causadas pela pandemia. O Congresso sabe, no entanto, que uma CPI não traz soluções práticas e provavelmente aumentaria a crise.
Na Câmara, as pressões também começam a aumentar sobre os parlamentares. Em discurso contundente, o deputado Kim Kataguiri (DEM/SP) alertou aos pares que todos os deputados serão responsabilizados pelo número de mortes. Nesta quarta-feira (24), Kim e outros 15 deputados, “de esquerda, direita e centro”, assinam carta publicada no Jornal O Globo com duras palavras para caracterizar o governo Bolsonaro e suas respostas à pandemia. Cobram ações imediatas e, a julgar pelo tom, a paciência se esgotou.
Pode ser cedo para dizer até onde esse movimento pode ir, mas é possível perceber que a pressão que se encontrava exclusivamente sobre o Executivo passa a se direcionar também para o Legislativo, e o Congresso tende a ser mais sensível em ano pré-eleitoral. Nem empresários, banqueiros, deputados ou senadores querem conviver com a responsabilidade pública de verem o Brasil ser o “epicentro mundial da Covid-19”. Com chances sérias de somar o maior número absoluto de mortes, ultrapassando os EUA, o país estará no lugar menos desejado do mundo. Todos sabem que os impactos serão sentidos na economia por vários anos, com reflexos em todas as áreas produtivas do país. Sabem também que a população mais pobre pagará o maior preço, e isso poderá ser cobrado nas urnas.
Na política, não se escolhe o interlocutor. O presidente do país é Bolsonaro e ele será cobrado por suas ações e por sua inércia. A carta, no entanto, lembra aos demais atores políticos que quem deixa fazer também tem responsabilidades e não há mais tempo para apontar o dedo para cadeiras vazias.
— Francine Moor (mestre em Poder Legislativo) e Marcos Lima (cientista político)