Estou em quarentena há um ano. Ao chegarem as primeiras notícias sobre a pandemia, o governo de São Paulo alertou para a necessidade do uso de máscaras e do isolamento
social. Precavido, obedeci. Subitamente, as atividades na região da Av. Engenheiro Luís Carlos Berrini foram interrompidas. Lojas, bares e restaurantes cerraram as portas. Serviços bancários e de escritórios deixaram de ser presenciais, com a adoção do teletrabalho. O silêncio caiu sobre região antes ruidosa e movimentada. Como em filme de ficção, avenidas e ruas ficaram desertas. O escasso movimento ficou por conta de ciclistas e motociclistas entregadores de encomendas e de alimentos, de taxis e de ônibus quase sem passageiros. A cidade entrou em crise. A batalha travada nesta terceira e mais mortífera Guerra Mundial é pela sobrevivência da humanidade.
Diante de onda de desemprego, provocada pela queda abrupta de atividades econômicas, o presidente Jair Bolsonaro baixou duas medidas provisórias. Reconheceu o estado de calamidade pública, provocado por motivo de força maior e autorizou a redução da jornada de trabalho e do salário, mediante acordos individuais.
Contraditoriamente, entretanto, S. Exa. interpretou a pandemia como problema político nacional. Ignorou as advertências da Organização Mundial de Saúde (OMS), desprezou os alertas de infectologistas, estimulou aglomerações e manifestações de idolatria. Recusou-se a usar máscara e aconselhou o povo a seguir o mau exemplo. Prescreveu o uso da cloroquina e se opôs à importação do CoronaVac.
Passados 12 meses, com a pandemia em ascensão e o número de mortos se avizinhando de 300 mil, é impossível silenciar diante do cruel negativismo do presidente Jair Bolsonaro.
Desde o início S. Exa. deslocou o combate da pandemia do terreno objetivo da ciência para a volátil arena política. Cometeu o grosseiro erro de declarar guerra de palavras à China, em sua opinião de leigo responsável pelo desenvolvimento e difusão do vírus.
Para nos defender de adversário invisível, cuja força subestimou e confundiu com “gripezinha”, não buscou a ajuda de especialistas em virologia, medicina e planejamento hospitalar. Recorreu ao general da ativa Eduardo Pazuello, a quem entregou, sob a condição de obedecê-lo, a direção do Ministério da Saúde. O presidente Jair Bolsonaro está obcecado pela ideia de se manter no poder. Graças à Emenda nº 16/1997, ao Art. 14 da
Constituição, promulgada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, poderá concorrer ao segundo mandato. Tudo indica que terá como principal adversário Luís Inácio Lula da Silva, cujos direitos à disputa foram devolvidos por generoso e injurídico despacho do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal. Do ponto de vista político, há uma eternidade até 2022. Não significa, todavia, que Jair Bolsonaro pode se dar por reeleito.
As chances de vitória dependem da desmemória da população. Os mortos serão incorruptíveis cabos eleitorais. Até o final deste ano poderão atingir o número de 500 mil.
A negligência do presidente Jair Bolsonaro, com a cumplicidade do ministro Eduardo Pazuello, colocou o Brasil no final da fila dos compradores de vacinas. A campanha de vacinação, que deveria observar planejamento nacional, segue marcha irregular por falta de material e de logística. Governadores dos Estados fazem o que podem, mas se ressentem da ausência de coordenação e de planejamento nacional. Quem, como eu, tomou a primeira dose, não está seguro de que haverá a segunda. Jovens e adultos não
têm a mais vaga ideia de quando serão convocados para se vacinar.
Se fosse capaz de exercer a autocrítica, Jair Bolsonaro deveria rezar Ato de Contrição, declarar o mea culpa, admitir em cadeia nacional de rádio e televisão que desde o começo errou. Que a sua obstinação o converteu no responsável pelo recrudescimento da pandemia e que corremos perigo de perder a guerra para o Covid-19 e cepas descendentes. A humildade, contudo, não é atributo do caráter autoritário.
A sabedoria política ensina que erros cometidos pelo governo levam a água para o moinho da oposição. No caso, a oposição tem nome. Chama-se Luís Inácio Lula da Silva, em
provável dobradinha com renomado empresário. Não desafiará o eleitorado conservador, aliando-se com Guilherme Boulos.
Lulinha “paz e amor” está de volta. Tem a beneficiá-lo, além da pandemia, a crise econômica, o desemprego, a insatisfação da classe média, a expansão da pobreza, a volta da inflação e a fraqueza de Bolsonaro. Quem viver, verá.
— Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.