Colcha de retalhos. Poucas vezes a metáfora foi tão bem empregada quanto agora o faz um observador em torno da eleição para presidentes da Câmara dos Deputados e Senado Federal. Não se trada de uma peça apenas multicolorida, tecida com pedaços de pano escolhidos a dedo para compor uma espécie de caleidoscópio. Nada disso.
Nesta se acomodam e se compõem todas as cores. Fala-se da velha e tradicional colcha da vovozinha, composta pelas sobras de fazendas, de pedaços de trapos, de fragmentos vindos de antigas peças abandonadas, uma composição heterogênea. Este seria um retrato deste momento que vai desembocar na reunião dos plenários do Congresso Nacional para uma votação secreta neta segunda-feira, 1º, em Brasília.
Depois de meses de afastamento físico, de distanciamento pessoal, longe dos cochichos, das pressões, do olho no olho, deputados e senadores terão de se ver com a coletividade. Isto muda muito o ambiente parlamentar que vigorou nesse 2020 que se foi. A reunião presencial já é um fator de mudança do quadro que se formou virtualmente e que está sob análise dos observadores e crivo da política e da mídia.
A eleição da Câmara é a mais acirrada e a que terá maiores consequências. Embora os dois candidatos não representem ruptura, cada qual chega por um lado para sentar na cadeira de Ulysses Guimarães.
No Senado Federal, as velhas e astutas raposas se acomodam. Rodrigo Pacheco, ex-PMDB, atual DEM de Minas Gerais, vai compor sem soluços o café com leite com o paulista Baleia Rossi (MDB-SP), ou se acomodar sem atritos com o Centrão de Arthur Lira (PP-AL). Como pano de fundo, o Palácio do Planalto e seu presidente. Um quadro clássico. Já a Câmara está mais para Picasso que para Victor Meirelles.
Centrão volátil
Para o Poder Executivo, também os dois postulantes são licores diferentes. Arthur Lira, candidato apoiado pelo sistema (blocos do Centrão, militares do governo e alguns setores da economia), não é exatamente uma figura dócil e automaticamente alinhada com o Palácio do Planalto. Os dois terão problemas.
Lira deve se converter num cobrador impertinente a cada votação decisiva, o que decorre da amplitude de compromissos que assumiu para uma votação expressiva. Seu drama vai da heterogeneidade política até a baixa consistência de seu feixe de pequenos e micro partidos políticos. O Centrão, ao contrário do que se vende ao púbico em geral, não é um grotesco grupo de larápios vorazes, mas uma formação política volátil. Só uma certeza: não votarão impeachment. A cadeira de Bolsonaro estará ocupada pelo próprio até 2022. Valeu o acordo.
Cenário positivo
No cenário, Arthur Lira também é uma figura bem diferente de seu adversário. Lira é um prato feito para a mídia feroz que se prepara para saltar sobre sua garganta. É provável que, com suas vulnerabilidades, possa atrair o fogo inimigo sem dó, livrando um pouco o próprio presidente Jair Bolsonaro das chibatas das mídias implacáveis, imprensa e redes sociais adversas. Esse diversionismo não tem alcance para livrar Bolsonaro como alvo preferido. Mas já seria um ganho.
Certamente Arthur Lira não terá paz no seu mandato. Entretanto, como o chefe do governo tem demonstrado não abandonar seus servidores às feras, pode ser que esse antagonismo se converta em força. Tudo depende de como andarão as carruagens das reformas. Enquanto os adversários atacam nas frentes dos processos judiciais e do impeachment, Lira passa a boiada das reformas, com intuito de salvar o governo da inadimplência e da paralização. É um cenário positivo a ser considerado.
MDB no comando
Na outra ponta, Baleia Rossi seria mais do mesmo, ou seja, o presidente nacional do MDB controlando o Poder Legislativo. Michel Temer presidente da Câmara. Um filme já visto. Apoiado pelos grandes caciques nacionais, FHC, Lula e Temer (na ordem das respectivas presidências), o jovem e talentoso parlamentar paulista configuraria, ainda, a hegemonia de São Paulo, o bom entendimento com as forças econômicas (empresariais e sindicais) e a solidez de um sistema apoiado nos grandes e tradicionais partidos, PT, MDB, PSDB e DEM, este abalado pela disputa interna entre Rio de Janeiro (Rodrigo Maia) e Bahia (ACM Neto). Uma fortaleza.
Este desenho, contudo, não se encaixa no Palácio do Planalto, pois as forças políticas convencionais têm outra agenda e procuram um candidato que não o atual presidente. É aí que a porca torce o rabo. No varejo, Baleia não seria mais incômodo do que Lira.
Enquanto isto, olhando com objetividade, pode-se dizer que os estrategistas do governo estão tentando estabilizar o processo, duramente abalado pelos seguidos tsunamis políticos e administrativos. É o desafio.
Com otimismo, pode-se dizer que Bolsonaro conta com a vacinação em massa, nos próximos meses, para botar a roda da economia a girar e, também, para tirar da frente o bicho-papão chamado coronavírus. Assim que for neutralizado pelos cientistas, o vírus sai de cena, tão rápido como chegou. Foi a experiência da última pandemia, a Gripe Espanhola.
Vacina salva Executivo
Para conter a peste, o Ministério da Saúde conta com um dos mais eficientes esquemas do planeta, o SUS equipado, treinado, integrado por milhares de vacinadores profissionais. Só falta o remédio, mas isto é questão de meses. Até outubro de 2022 todo o País terá entrado na agulha. Isto é límpido e inexorável. Aí muda tudo.
Os erros serão esquecidos, o povo volta às ruas, o setor de serviços recomeça a contratar, o dinheiro a pingar e, não obstante a recessão, pode ser que o pessimismo seja soterrado pela alegria da volta aos velhos tempos. É com isto que no presidente conta para conseguir seu segundo mandato. De algoz passaria a salvador. Será? Bolsonaro é um político ousado, aí está sua presidência para quem duvidar de sua capacidade de dar nó em pingo d’água. Os velhos caciques estão temerosos. Uma análise desapaixonada.