Esse foi um domingo de comemoração. A Anvisa finalmente falou. E falou bem, reiterou o compromisso com a ciência. Deu autorização emergencial para as vacinas aqui produzidas pelo Instituto Butantan e pela Fundação Oswaldo Cruz. Com a mesma unanimidade, censurou a vigarice do tal tratamento precoce com a cloroquina, o fermífugo ivermectina e outras baboseiras.
O presidente Jair Bolsonaro, que se finge de maluco por esperteza, saiu de cena e escalou o pau mandado general Eduardo Pazuello, que cumpre suas ordens no Ministério da Saúde, para pagar recibo e mico pelo fato do governador João Doria iniciar a vacinação em São Paulo. As imagens de vacinados, única preocupação de Bolsonaro na tal guerra das vacinas, foram exibidas em um show de marketing pelo governo paulista, com a escolha a dedo das protagonistas — Camila Calazans, uma enfermeira negra da linha de frente no combate a Convid-19 que mora na periferia e se formou com muita dificuldade, e a indígena Vanuzia Costa Santos, assistente social da aldeia multiética Filhos dessa Terra, em Cabuçu, no município de Guarulhos. Boas escolhas.
No desespero palaciano, onde só se pensa na reeleição do chefe, sobrou para Pazuello, um general de fancaria que fala com a sociedade como um sargento de história em quadrinhos se dirige a seus subordinados. Um arremedo do sargento Tainha, genial criação do cartunista Mort Walker, com bem menos empatia. Como um robô, ele seguiu mais uma vez as ordens do chefe e alimentou a cega militância bolsonarista nas redes sociais. Disse, por exemplo, que do começo ao fim foi o governo Bolsonaro que bancou todos os investimentos na vacina do Butantan. ” O governo de São Paulo não pôs nenhum centavo”, afirmou de maneira categórica como se fosse uma grande revelação mantida até ontem em sigilo pela discrição com que o governo federal trata a pandemia. Nem o Fio Maravilha teria tanta humildade frente ao gol, na belíssima música de Jorge Ben. Pura cascata.
Uma surpresa também porque Bolsonaro sempre disse que não compraria a “vachina” chinesa do Doria. Com essa nova lorota, Pazuello levantou a bola e Doria marcou outro gol. Afirmou que o general mentiu e que tudo feito até agora no Butantan foi bancado exclusivamente pelo governo de São Paulo. E não houve tréplica. Soam, além de inacreditáveis, como tiros nos próprios pés as fantasias mutantes produzidas pelo Palácio do Planalto.
A última delas foi a convocação de governadores para uma solenidade na manhã dessa segunda-feira da operação em Guarulhos de distribuição país afora das vacinas recebidas do Butantan no final da tarde do domingo. O general Pazuello com certeza vai estar na foto. Resultado medíocre para o planejamento da abertura da campanha no Palácio do Planalto com vacinas da Fiocruz, barradas pelo governo da Índia, em mais um retrato da má vontade e imprevidência do governo federal em providenciar as vacinas que lhe foram ofertadas.
O que aumenta a decepção nessa absurda guerra política é que o Brasil, em uma bela construção durante décadas pelo show de bola que é o SUS, talvez seja o país mais preparado no planeta para vacinar. Só faltam as vacinas. Até quando?
A conferir.