O caso Ford

A Ford chega ao Brasil em 1921 - Foto Divulgação

O encerramento das atividades da Ford é mais um entre milhares de episódios semelhantes, provocados pela debilidade de economia anêmica, dependente de constantes transfusões de sangue na forma de subsídios governamentais, empréstimos, ajudas externas e barreiras alfandegárias.

Como advogado de sindicatos profissionais, a primeira experiência que tive com demissão coletiva ocorreu em 1969 na cidade de Espírito Santo do Pinhal, quando a empresa Máquinas Federighi, fabricante de produtos de ferro forjado, encerrou as atividades e dispensou os empregados. Não me recordo das circunstâncias do caso. Provavelmente a indústria produzia artigos obsoletos e sem mercado.

Sob o governo Castelo Branco (15/4/1964-15/3/1967) foi aprovada a Lei nº 4.923, de 23/12/1965, conhecida como “lei de crise”. Instituiu o Cadastro Geral de Admissões e Dispensas de Empregados e permitiu a redução de salário, mediante negociação coletiva. Visava deter crescente onda de desemprego. Com a leitura do capítulo “A Restauração Econômico-Financeira”, do livro O Governo Castelo Branco, de Luís Viana Filho, Ministro Chefe da Casa Civil, é possível entender os motivos que levaram tantas empresas à falência durante o primeiro governo militar e as razões do desemprego que colocou na rua centenas de milhares de trabalhadores.

O presidente Juscelino Kubitschek dorme durante vôo noturno em avião da Varig nos anos 1950 – Foto Jean Manzon
Locomotivas e vagões da histórica Estrada de Ferro Sorocabana

Algumas quebras marcaram época em nossa história. Na imprensa a do Jornal do Brasil e da Gazeta Mercantil. Na aviação da Panair, da Vasp, da Transbrasil, da Varig. No setor industrial a falência das Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo – IRFM em 1981. Na mesma época, em Porto Feliz deixaram de funcionar a Fábrica de Tecidos Nossa Senhora Mãe dos Homens e o Engenho Central, os principais empregadores do município.

Em Perus tivemos do caso da fábrica de cimentos do empresário J.J. Abdala, conhecido como “mau patrão” por violar sistematicamente a legislação trabalhista. O encerramento de atividades da Usina Catende em Pernambuco e da Usina Tamoio, em Araraquara, devem ser relembrados. Ambas figuravam entre as maiores produtoras de açúcar e de álcool do mundo. Tivemos a liquidação da Rede Ferroviária Federal, a extinção da Estrada de Ferro Sorocabana e da Companhia Municipal de Transportes Coletivos – CMTC, em São Paulo. Mais recentemente a operação Lava Jato atingiu grandes empreiteiras como Odebrecht e OAS, levando água para o moinho do desemprego.

A história econômica do Brasil mostra breves fases de crescimento seguidas por longos períodos de estagnação e recessão. O chamado “milagre brasileiro” foi efêmero, assim como foram breves os meses de euforia durante o primeiro Plano Cruzado.

Desenvolvimento sustentável é expressão conhecida, mas que nunca se conseguiu no Brasil. A crise em que nos encontramos teve início em 1964. Na década de 1970 a indústria automotiva – carro chefe do setor industrial – alcançou posição de destaque no mundo. “A implantação e desenvolvimento do setor automotivo impulsionaram o Brasil a mudar de patamar econômico. O País deixou de ter a sua economia baseada na agricultura e na produção de commodities primárias. Passou, de fato, a ocupar lugar no chamado mundo industrializado” (A Indústria Automobilística Brasileira 50 Anos, Edição Comemorativa dos 50 Anos da Anfavea, SP, 2006, pág. 24).

Fábrica da Ford em Camaçari, na Bahia

Ocorre, todavia, que desde a década de 1980 sucessivas crises econômicas, no Brasil e no mundo, afetaram o setor automotivo e a cadeia de produção. Expectativas otimistas registradas entre 2016 e 2017 foram desmentidas pelos fatos. O tradicional de motor à gasolina, diesel, álcool ou gás natural, está fadado a desaparecer, substituído por motor acionado pela eletricidade.

Operários em montadora da Ford: agora desempregados

A indústria automotiva brasileira, sob o predomínio e o controle de grandes empresas estrangeiras, não demonstra se encontrar preparada para salto tecnológico necessário. Além desse aspecto, é necessário registrar a elevada capacidade ociosa de grandes empresas. Dentro desse cenário, o socorro de matrizes a montadoras no País “soma US$ 69 bi nos últimos seis anos”, conforme noticiou O Estado de S. Paulo na edição do dia 14.

O fechamento da Ford causa irreversível perda de 5 mil empregos diretos e de não se sabe exatamente quantos indiretos. Estamos assistindo a mais um capítulo de longa e antiga sucessão de insucessos, responsáveis pela existência de mais de 14 milhões de desempregados.

— Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi ministro do Trabalho. Ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho

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