O cabaré Mère Louise adornava as muralhas do Forte de Copacabana. Foi do telefone desse acolhedor puteiro carioca da segunda década do século passado que o capitão Euclydes Hermes, comandante do forte, um dos líderes do levante militar de 1922 e filho do marechal Hermes da Fonseca, recebeu o convite do então ministro da Guerra, o historiador Pandiá Calogeras, para comparecer ao Ministério da Guerra onde seria negociada uma rendição honrosa para todos os envolvidos na primeira manifestação armada dos tenentes, que ficaria conhecida como a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana.
Euclydes hesitou no primeiro momento, mas foi convencido pelos seus pares a dialogar com Calogeras. Pesou também na decisão a informação de que seu pai, o Marechal Hermes da Fonseca e líder in pectore do levante já estaria preso no couraçado Floriano, assim como os demais militares envolvidos na conspiração Brasil afora. Prestativa e ágil, Mère Louise providenciou o taxi que levaria Euclydes ao encontro de Calogeras, que não aconteceu. O capitão foi preso no caminho pelas forças legalistas que cercavam o Forte de Copacabana e não sabiam do convite do ministro.
Com Euclydes na cadeia, sempre do telefone de Mère Louise, o diálogo entre o governo e os revoltosos se deu através do jovem tenente Siqueira Campos, agora líder e comandante do Forte insurreto. Ao ouvir de Euclydes que as forças legalistas e o governo exigiam a rendição incondicional ou a morte, Siqueira bateu o telefone e partiu para ritualizar o desfile fúnebre dos jovens tenentes.
“À pátria se dá tudo. À pátria não se pede nada, nem compreensão”, costumava cantilenar o jovem Siqueira Campos então com 25 anos, cheio de encantos e formosura. Sua bravura castrense não cedeu ne
m mesmo ao charme da bela Rosalina, viúva e filha do senador Coelho Lisboa, que lhe emprestava ternura, sonhos e sensualidade. De volta ao Forte, Campos reuniu todos os solteiros e sem família, todos os decididos a se entregar lutando. Quando o primeiro canhão rufou na manha do dia 5 de julho de 1922, havia 350 militares, entre oficiais e praças, no Forte de Copacabana. Já na tarde do dia 6 eram apenas 28.
Liderados por Siqueira Campos o grupo partiu para o embate. Adentraram a avenida Atlântica marcialmente para a morte. Dos salões do cabaré Mère Louise, até então centro diplomático da revolta, salta o único civil do cortejo – o engenheiro gaúcho Octávio Corrêa, com 38 anos e certamente turbinado pelo champanhe matinal. Habitué do cabaré, dirigiu-se ao desfile fúnebre onde, empunhando um fuzil Mauser, empreende sua caminhada tão estupida quanto inútil. Quando o tiroteio findou, apenas Siqueira Campos e Eduardo Gomes haviam sobrevivido. Na noite daquele mesmo dia, no Theatro Municipal, não muito longe do local da refrega, Artur Rubinstein, ao piano, apresenta a suíte Prole do bebê n.01, de Heitor Villa-Lobos.
Essa arruaça de coturnos, tão própria da disfuncional República brasileira, descrita com estilo, elegância e humor requintando pode ser lidar com vantagens no livro do Ruy Castro “Metrópole À Beira-Mar / O Rio moderno dos anos 20”. O desencontro dos militares com a ordem e o Estado, tão flagrante no início do século passado, tem se apresentado agora sobre um manto aparentemente pacífico ainda que bem mais letal para os destinos da nossa Pátria. Há poucos dias a nação soube que o general Pazuello, o ministro da Saúde, escondia mais de seis milhões de teste da convid-19. Vencidos, vão para o lixo. No inicio da semana veio a público que uma falha no sistema do Ministério da Saúde permitiu o acesso a dados pessoais, sem controle nem critério, de mais de 200 milhões de brasileiros. Agora, desde quando a Europa e os EUA anunciaram que devem começar a vacinar suas populações ao longo de dezembro, descobrimos que não há nenhum plano logístico para o combate à pandemia no País e menos ainda sabemos qual a vacina que vamos adquirir ou quando.
Como se fosse pouco, a ineficiência flagrante do Conselho da Amazônia, comandado pelo general Mourão com seus 19 militares lá aboletados, passou a ser advertida pelo Conselho Militar Internacional sobre Clima e Segurança. “O Brasil não está adequadamente preparado para os impactos dos fatores de estresse relacionado às mudanças climáticas previsíveis em sua segurança, economia, base de recursos naturais e infraestrutura nacional crítica, especialmente suas usinas hidroelétricas e instalações militares”, pondera o documento do Conselho Internacional divulgado ontem pelo jornalista Jamil Chade no UOL.