Se tiver juízo, o presidente Jair Bolsonaro deve abandonar a arrogância e refletir sobre o resultado das eleições municipais. Tomo São Paulo como exemplo merecedor de análise isenta de preconceitos.
Bruno Covas foi o candidato da aliança do PSDB com o PP, MDB, Podemos, PSC, PL, Cidadania, DEM, PTC, PV, PROS. Recebeu apoio do governador João Dória, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de Geraldo Alkmin, José Serra, Michel Temer e de outros políticos escolados. Recebeu 1.747.938, ou 32,85% dos votos.
A primeira rodada eliminou Márcio França, Celso Russomano, Andrea Matarazzo, Arthur do Val, Jilmar Tatto, Joyce Hasselmann, Marina Helou, Orlando Silva, Levy Fidelis, Vera Lúcia e Antônio Carlos. Os votos em branco foram da ordem de 5,87%; nulos 10,11%; de 29,29% as abstenções. A soma das três parcelas revela que 45,27% deixaram de participar de forma efetiva do pleito.
A surpresa ficou a cargo do improvável Guilherme Boulos, candidato do diminuto PSOL, que arrancou do nada 1.077.168 votos, ou 20,24% do eleitorado.
Bruno Covas é herdeiro político de Mário Covas. Elegeu-se deputado estadual em 2006 e 2010, deputado federal em 2014 e vice-prefeito em 2016. Assumiu a prefeitura paulistana quando João Dória se afastou para disputar o governo do Estado. Guilherme Boulos tem carreira modesta. Lidera o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MST) e disputou a presidência da República em 2018, quando foi derrotado no primeiro turno. Naquela oportunidade recebeu, em todo o País, 617mil votos ou 0,58% dos sufrágios válidos.
Como alguém com currículo inexpressivo e candidato por partido nanico, consegue alcançar o segundo lugar na disputa pelo comando do maior município do Brasil?
A resposta será encontrada em Brasília, no Palácio do Planalto. Em condições normais Guilherme Boulos ficaria abaixo de Márcio França, Celso Russomano, Arthur do Val, Jilmar Tatto, Joyce Hasselmannn. O descontentamento popular, a pandemia, a inflação dos preços da cesta básica, e a política de extrema direita adotada pelo Palácio do Planalto acabariam por empurrar considerável parte da opinião pública para a esquerda. Se somarmos a votação obtida pelo PSB, PT, PCdoB e PSTU, os partidos da ponta esquerda receberam 42,83% dos votos validos, ou 2.279.073. Joice Hasselmann, expoente da direita, em ascensão nas eleições para deputada federal em 2014, quando venceu com estonteante quantidade de votos, amargou o sétimo lugar com menos de 98 mil.
O presidente Jair Bolsonaro, após passar por meia dúzia de legendas, está sem partido. Leia-se a entrevista de Luciano Bivar, presidente do PSL ao Estado de S. Paulo na edição do dia 18 (pág. A14). Afinal, o que ocorre com o impulsivo deputado federal, eleito para a presidência da República da cama hospitalar onde se restabelecia da punhalada? Como entender o acelerado desgaste? A quem cabe a culpa? A Olavo de Carvalho? Aos filhos? Ao Queiroz? Aos trabalhadores? Aos empresários? A economia? Ao desemprego e à miséria? Ao Ministério? Ao descaso com a pandemia? Às queimadas na Amazônia e no Pantanal? À falta de dinheiro? À inflação de preços da carne, do arroz, do feijão, do óleo comestível? A atitudes pueris sobre a vacina?
O fato é que S. Exa. delapida capital político amealhado quando era tenente, capitão paraquedista e deputado federal. A imagem de durão já não convence. Se não tomar cuidado poderá ter o destino de Donald Trump. No regime democrático a opinião pública é livre e indomável.
Faltam menos de 24 meses para as eleições de 2022. O tempo, no exercício de mandato, corre rápido como o vento. Para reverter a curva da impopularidade o presidente tem urgente necessidade de se reciclar.
— Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.